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Temos escolha!

Atualizado: 11 de mar. de 2021

Mudo


Na madrugada fria

O céu embolorado

Refletia

Ou amor

Ou há muro

Ainda ontem um amigo me dizia sobre as diversas fases que viveu durante a quarentena. Uma delas foi que durante um período intensificou o uso recreativo de drogas sintéticas. Uma espécie de parque de diversão dizia ele, mas que foi uma fase, de descobertas, de intimidades novas com sua mulher, risos, choros etc. Porém, percebia que teria chegado ao fim e estava se desinteressando por tal prática. Um dia ao sair de casa pegou o maço de cigarros onde também guardava as drogas. Fumou o último cigarro, esqueceu-se do resto e atirou a carteira fora. Riu e me contou feliz, queria tanto me desfazer que fiz assim, sem me dar conta, talvez porque tivesse ali também algum investimento financeiro.




O fato é que quantas vezes coisas assim nos acontecem e nos aborrecem bastante, mas os equívocos falam muito sobre nós e por vezes tomados pelo incomodo da situação não escutamos muito bem o que eles podem comunicar. Difícil chegar ao aeroporto sem o passaporte e ao invés de se irritar, se perguntar o que aquilo poderia significar, uma vontade de ficar, quem sabe?


Freud não deixou de observar esses casos, conta como percebia que tinha ficado íntimo da família que visitava, como médico, quando ao invés de tocar a campainha tentava abrir a porta com as chaves de sua casa. Traz ele como exemplo em um capítulo intitulado “Equívocos na ação” em seu livro de 1901, “Sobre a psicopatologia da vida cotidiana”.


Curioso também são aqueles que acreditam nunca se equivocarem, o quanto seria dolorido pensar as más escolhas, os descuidos, acidentes. Fatos simples do cotidiano que falam de um desencontro entre intenções e que podem evidenciar decepções que por vezes não estamos muito interessados em admitir.


Repensar nossas ações, não apenas pela via da razão, como um bom pensador do mundo, um observador rigoroso e consciente, mas através daquilo que irrompe a ordem e atravessa por vezes nossas boas intenções fala muito sobre nós, expõe pontos das nossas relações.


Na relação com o analista não é diferente e essas situações podem ser motor para aquilo que poderia ter sido dito e não foi, um esquecimento de sessão, de um pagamento, de objetos no consultório. Pode-se dar ouvido àquilo que por vezes não se está confortável em falar.


Isso nos lembra como somos constituídos de maneira conflitante e que na base deles se encontra a ambivalência entre amor e ódio. Tal qual por vezes não reconhecemos ao quebrar um copo sem querer, que havia ali um querendo, mais difícil ainda reconhecer que nossos ódios contra grupos, posições políticas diz exatamente da maneira infantil como lidamos conosco. Onde todo amor para mim e os meus “iguais” e todo ódio aos outros. Esse extremismo é o que vemos diariamente.


Dar ouvidos a nós, às nossas ações, aos nossos estranhamentos são maneiras possíveis de fazermos escolhas menos alienadas ao mundo que nos convida incessantemente e sem que percebamos a lugares e situações nas quais nem gostaríamos de estar. Situações que por fim reconhecemos como normais e que no fundo são combinadas e reforçadas em nosso cotidiano, pactos que a civilização, nossa criação nos transmite ao frequentarmos esse mundo. E por assim o serem que podemos sempre querer e devemos mudar o mundo para um lugar melhor.


Gustavo Florêncio Fernandes

Psicanalista, membro do TRIEP

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