A violência contra a criança, de maneira geral, acompanha a história da humanidade e durante muito tempo foi vista como natural e normal. Somente no século XX a concepção sobre infância começou a se modificar e trouxe consigo a valorização, defesa e proteção da criança. Formulou-se, então, os seus direitos básicos e assim foram reconhecidos como seres humanos especiais, de características específicas e com direitos próprios.
No Brasil, a violação dos direitos humanos, e especificamente das crianças, é fato.
A violência que, de modo geral, atinge todas as camadas sociais, deve ser vista como uma questão de saúde pública, pois é uma ameaça à vida da população em geral. No que diz respeito à violência sexual contra a criança, a pedofilia ressurge na calada da vida cotidiana (incluindo a internet) e interfere drasticamente no desenvolvimento do psiquismo infantil, provoca traumas irreversíveis e, em alguns casos, até doenças sexualmente transmissíveis.
As notícias veiculadas pela mídia de casos de pedofilia ampliaram a abordagem do problema social e criminalmente, mobilizando a opinião pública e promovendo campanhas de conscientização contra o abuso sexual. Para a psicanálise, a pedofilia é uma perversão sexual que envolve fantasias sexuais da primeira infância em um período de intensa ambivalência da criança com os pais. Em cada ato pedófilo envolvendo uma criança, o abusador aviva a esperança de realizar o impossível da relação sexual – a relação incestuosa.
Tentar realizar o impossível (o intolerável) caracteriza-se como uma atitude de desafio, desprezo e recusa. Mas recusa a quê? Às leis, simbólica e social, elementares para a convivência humana da interdição do incesto e assim, destruindo os limites de proteção ao outro ser humano.
É um ato em que o abusador coloca a criança no lugar de um objeto de gozo para um desejo sexual errante, ou seja, o sujeito realiza uma fantasia que não apresenta escolha ao outro. Com uma sexualidade inibida, não desenvolvida, o agressor tende a escolher como parceiro uma pessoa vulnerável, possuindo sobre ela uma ilusão de potência e poder.
O ato pedófilo é sempre progressivo e quanto mais medo, aversão ou resistência pela vítima, maior o prazer do agressor, maior a violência. Dificilmente um pedófilo sente atração sexual por uma pessoa adulta; ele pode até se relacionar sexualmente com ela, embora não obtenha tanto prazer sexual como quando está com uma criança.
O pedófilo, “sedutor” ou “abusador” de menores, é descrito como pessoa comportada e respeitada, que esconde dos outros a prática sexual com crianças. É fato que o pedófilo guarda seu segredo até ser descoberto e dificilmente procura ajuda, até porque os profissionais de saúde têm o dever de denunciar os casos de que tome conhecimento (artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente).
A violência contra crianças traz para todos nós desafios, pois como conviver com esse mal-estar da contemporaneidade, sem sucumbir a ele? É preciso oferecer espaços de escuta para a fala daqueles que sofrem para que seja possível modificar e dar um sentido novo a esse devastador sofrimento.
Um espaço para aqueles que sofreram violências, mesmo as que não fizeram marcas visíveis no corpo, poderem colocar livremente em palavras a um outro, capacitado a escutá-la em sua singularidade, a violência silenciosa do dia a dia.
Falar produz efeitos terapêuticos e, como Freud afirmou mais de uma vez, o objetivo da psicanálise é diminuir o sofrimento humano.
No seu texto “Linhas de progresso na terapia psicanalítica” de 1919, Freud escreveu que “as neuroses ameaçam a saúde pública não menos do que a tuberculose, e que, como esta também não pode ser deixada aos cuidados impotentes de membros individuais da comunidade”.
Daisy Lino
Psicanalista, membro efetivo do TRIEP
daisy_lino@hotmail.com
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