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  • É preciso proteger as crianças do sofrimento?

    Há muitos pais que dizem não suportar ver seus filhos sofrendo dizendo que tal sentimento poderia causar algum tipo de trauma em suas crianças. Diante dessas situações, colocam-se em uma atitude de superproteção para tentar evitar possíveis embates que seus filhos possam vir a ter com o mundo, com um consequente prejuízo que entendem poder haver para o desenvolvimento emocional dos pequenos. Acreditam que seus filhos não conseguem lidar com tamanho desprazer que certas situações difíceis lhes causam. Será mesmo que não conseguem? Caminhamos no mundo a partir de certas referências que nos fazem reconhecer o nosso entorno para sabermos por onde melhor nos situarmos. O sofrimento decorre, em boa parte, de momentos de certa suspensão destes pontos que nos orientam e que nos são conhecidos. Podemos perceber como muitas vezes evitamos o inesperado, preferindo a certeza do próximo passo ao risco de uma situação nova que se apresenta diante de nós. O sofrimento é algo que precisa ser compartilhado com uma outra pessoa para que possa encontrar uma expressão que faça sentido para aquele que se vê acometido por algum acontecimento doloroso. Precisamos dos outros para que possamos lançar nossas perguntas mais fundamentais diante de certos fatos que retiram de nós as nossas certezas prévias: situações de morte de um ente querido, perda de algo ou alguém que nos é especial ou mesmo qualquer situação que nos coloque diante do desconhecido e que precisam ser simbolizadas. A melhor saída não é evitá-las, já que a vida comporta um tanto de desprazer e dor. E as crianças têm a capacidade de lidar com sentimentos dolorosos e difíceis desde muito cedo, diferentemente do que seus pais possam acreditar, muitas vezes. Obviamente que tais sofrimentos precisam ser ponderados, validados e nomeados por seus cuidadores, mas não evitados. Tristeza, dor, frustração e toda uma série de sentimentos que precisam ter um lugar de expressão junto ao adulto responsável pela criança para que ela entenda que pode sentir-se acolhida em situações de dificuldade, sem que a resposta ao seu sofrimento seja aplacada de imediato. As crianças aprendem quando se veem diante de obstáculos, mostrando o quanto não devemos facilitar de modo a darmos aos pequenos tudo em suas mãos; se assim agimos, eles poderão crescer com a sensação de incapacidade e fraqueza diante de situações difíceis da vida. É preciso que as crianças se movimentem e encontrem saídas que lhes sejam próprias e dentro do seu tempo, sem que os pais façam tudo por elas. Elas sentirão desconforto nesse processo? Elas precisarão lidar com certas doses de sofrimento? Sim, para que possam confiar na própria capacidade de lidar com seus problemas futuros. Fabiana Sampaio Pellicciari psicanalista membro efetivo do TRIEP fabiana.pellicciari@gmail.com #psicanalista #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triep #fabianapellicciari #superprotecao #sofrimentoinfantil #limites #lacan #freud

  • Violência contra a mulher

    Desde agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) coloca em evidência temas relativos à violência contra a mulher, formas de protegê-la e meios de punição ao agressor. Em 2023 a Lei completa 17 anos e ainda precisa ser lembrada e debatida. Em eco a esta lei, desde o ano passado o mês de agosto foi instituído pelo Congresso como o mês de conscientização da sociedade sobre a necessidade de enfrentamento às diversas formas de violência contra as mulheres: o Agosto Lilás (Lei 14.448/2022). As formas de violências contra a mulher são diversas e ocupam todas as classes sociais. Como ilustrativo destes cenários de agressão, lembrei de um filme argentino, “Crimes de família” (disponível na Netflix) que, além de outras temáticas, coloca na frente da cena três mulheres, três enredos entrelaçados e a maneira como cada uma se apresenta frente ao choque violento e por ele é afetada (a partir daqui, contém spoiler). Alícia (Cecília Roth) se vê no centro de dois crimes envolvendo sua família. De um lado Daniel (Benjamin Amadeo), seu filho, é acusado de estupro e tentativa de homicídio por sua ex-mulher, Marcela (Sofia Gala). De outro, Gladys (Yanina Ávila), a empregada da família, é acusada de infanticídio. Acompanhamos dois julgamentos e as diferenças entre eles, a depender de quem é o acusado e quem é a vítima, e dos lugares sociais de cada um. Interessante e inquietante ver Marcela no tribunal e observarmos o quanto se repete nos meios jurídicos, policiais e em setores de primeiro atendimento à vítima, a desqualificação de seu discurso e a dúvida que se apresenta antes mesmo que seu relato termine, o quanto a vítima muitas vezes é colocada no lugar de não poder falar ou de ter sua palavra esvaziada de sentido e efeito. Faz pensar no que Ferenczi nomeou como "desmentido" e seu efeito de retraumatização. A instância buscada pelos sujeitos para legitimar o crime de que sofreram e fazer cumprir as consequências desta ação ao agressor, é a mesma que, muitas vezes, invalida ou distorce a situação de violência, culpabilizando quem sofreu a agressão. Outro aspecto interessante do filme diz respeito ao infanticídio. Na contramão do aumento no número de casos, está o silêncio que se faz a respeito, parecendo pouco importar suas causas (sejam elas psíquicas ou de outra ordem) e suas consequências para o indivíduo e a sociedade. Gladys representa bem a dificuldade em abordar e tratar o tema, que tende a ser considerado apenas em seus aspectos isolados ou lineares, deixando de lado sua complexidade e desdobramentos. A psicóloga que a acompanha tenta deixar claro ao promotor a complexidade do assunto. Mas sem muito sucesso. Com Alícia, acompanhamos a determinação de uma mãe disposta a fazer de tudo para provar a inocência de seu filho. Até onde ela é capaz de chegar? Esta personagem se modifica ao longo da trama, passando a questionar suas atitudes extremadas e se reposicionando frente à repetição das ações do filho, ao mesmo tempo em que se apropria e faz valer as novas informações em torno do caso de Gladys. No entrelace destas relações, o filme aborda temas que são objeto de representação e preocupação coletiva (violência contra a mulher, mulheres capazes de atos violentos, corrupção, estupro, uso de drogas, manipulação), e ganha destaque na construção que cada personagem faz para encontrar saídas para as situações de violência e crimes das quais foram autoras ou vítimas. Se num primeiro momento elas ficam "sem palavras", terminam por encontrar outros desfechos e possibilidades. Marcela, Gladys e Alicia sugerem a saída de um lugar vitimado e, de alguma forma, assujeitado, deslocando-se para a possibilidade de falarem em nome próprio, assumindo para si as consequências de tal apropriação. E demonstrando em seu percurso, toda sua humanidade, agora desvelada, e com tudo o que isso comporta. Leila Veratti Psicanalista, membro efetivo do TRIEP leilacsantos@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #filmeepsicanálise #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #crimesdefamilia #leilaveratti #o_diva_a_passeio #cinemaepsicanalise #psicanálise #violenciadomestica #estupro #estuproécrime #psicanalista #infanticidio #violenciacontramulher #filmenetflix

  • Bobagem mesmo é ignorar!

    Em um trabalho de 1895 intitulado “Projeto para uma psicologia científica” (1895), Freud elabora com as ferramentas e pesquisas de sua época um tratado sobre o funcionamento mental segundo a interação de forças internas e externas ao organismo e as marcas de memória deixadas nesse aparelho psíquico. As hipóteses bastante inovadoras são no intuito de encontrar um modelo naturalista que pudessem dar conta dos impasses clínicos que resistiam a uma explicação fisiológica. As inquietações freudianas se impunham frente a fenômenos de paralisias, por exemplo, que eram incompatíveis com a explicação neurológica e/ou anatômica. Ressalta ele que os corpos apresentados nas paralisias histéricas se assemelhavam aos contornos expressos no cotidiano e seus limites não se afinavam com a fisiologia. Os braços coincidiam exatamente com as mangas das roupas, as mãos com as luvas e em nada correspondiam as delimitações das inervações encontradas pela neurologia. Na conferência XXXV – Acerca de uma visão de mundo (1933), nas Novas Conferências Introdutórias à Psicanálise, Freud argumenta, dentre outros aspectos, sobre a diferença da religião, que apoia suas explicações em dogmas que não podem ser questionados pelos fiéis e a ciência que trabalha com hipóteses que podem ser revisadas conforme o seu desenvolvimento. Com o título polêmico: Que bobagem! pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério, Natalia Pasternak e Carlos Orsi, não consideram a evolução da psicanálise dentro mesmo da obra de Freud ao reduzirem a teoria psicanalítica sem levarem em conta as reformulações de conceitos. Debates sobre ser a psicanálise ou não ciência ocorrem desde os tempos de Freud e são do interesse de todos, o que é bem diferente de uma postura não de debate e sim de uma verdade última trazida pelos autores expressa já no título do livro. Freud era um pesquisador e estava aberto às transformações de sua teoria e qualquer um que leia a sua obra verá as mudanças que se impõem frente aos impasses clínicos que se apresentam. Frente ao desamparo humano, ansiamos por repostas definitivas que diminuam nossas angústias, podemos nos apegar as religiões, por exemplo, em busca de supostas respostas. A ciência, mesmo que nos ampare e nos salve muitas vezes da morte mais imediata, é feita com debates e seu caráter é provisório e aguarda por novas descobertas. A postura de palavra final tomada pelos autores Pasternak e Orsi sobre o que deve ser levado a sério ou não parece ir na contramão da própria essência da ciência. Trago recortes do debate promovido pela Unicamp entre o professor da Unicamp Mário Eduardo Costa Pereira, psiquiatra e psicanalista e o coautor do livro Carlos Orsi. Neles podemos ver o não conhecimento dos autores sobre a transformação do conceito de Inconsciente dentro da obra de Freud e questões que situam o debate sobre ciência e algumas implicações éticas que norteiam esse campo do pensamento. https://youtu.be/eHmn2zcjyZc Gustavo Florêncio Fernandes Psicanalista, membro efetivo do TRIEP gusff@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #gustavoflorenciofernandes #adolescente #freud #lacan #quebobagem #pseudocienciaseoutrosabsurdosquenaomerecemserlevadosaserio #freud #lacan #bobagemeignorar #marioeduardocostapereira #pasternak #carlosorsi

  • Como escolher um psicanalista para chamar de seu

    A busca e escolha por um psicanalista para iniciar uma análise pode trazer algumas dúvidas e hesitações. De fato, é algo que requer cuidado afinal será um profissional que irá acompanhar um processo analítico por um bom tempo. A psicanalista Silvia Bleichmar em seu livro Do motivo de consulta à razão de análise, adverte: “Não há, talvez, dano maior à vida humana (exceto a morte) que o seu desperdício. Por isso, os longos anos de análise malsucedida, pelos quais atravessam muitos seres humanos, não podem ser catalogados, frivolamente, apenas como uma “perda de tempo e de dinheiro”, se considerarmos que o tempo é, precisamente, aquilo que marca as possibilidades de realização da vida no contexto da finitude da existência.” (p.15) Em vista, então, do tempo das possibilidades de realizações da vida, ante a finitude, o cuidado na escolha do psicanalista para empreender uma análise é importante. A indicação de um conhecido de confiança que conheça um psicanalista, seja porque fez análise ou sabe de alguém que se analisou com ele, pode ser um caminho. Pesquisar sobre o profissional é necessário porque alguns, sem o compromisso ético com o tripé da formação (estudos, análise pessoal e supervisão clínica), se autodenominam psicanalistas de forma ilegítima. Será, principalmente, no contato com o profissional que se dará a possibilidade de colocar atenção em detalhes que podem ajudar na escolha. Ao realizar a primeira entrevista com um psicanalista é importante perceber como se sente na presença dele e no ambiente oferecido: se “vai com a cara” e se está se sentindo minimamente confiante ou confortável para falar. Se não estiver nessas condições isso não quer dizer que o profissional não é bom, só quer dizer que a busca continua. As entrevistas iniciais têm a função, pelo lado do candidato à análise, de que ele possa se observar e, assim, verificar o grau da sensação de confiabilidade que lhe desperta o contato com o psicanalista. Do lado do psicanalista, as entrevistas iniciais têm a função de compreender a busca e o sofrimento psíquico apresentado pela pessoa e, também, verificar se quer/pode trabalhar ou não com esse que entrevista. Como se pode ver, essas entrevistas são importantes para que ambos os lados verifiquem o quanto podem empreender a jornada de uma análise juntos ou não. A ética da psicanálise exige que o tratamento psicanalítico possibilite o surgimento de um sujeito “de dentro para fora” e jamais o contrário. Ou seja, o tratamento não visa a normatização e adequação social. O tratamento psicanalítico visa o trabalho subjetivo de construir/reconstruir a singularidade daquele que se analisa. Implicado com a ética da psicanálise, um psicanalista não vai nunca decidir o destino daquele que se coloca aos seus cuidados, não vai se colocar como “exemplo de vida” (contando as soluções que deu aos seus problemas, por exemplo), não vai recomendar essa ou aquela religião para melhorar a “espiritualidade” de quem quer que seja. Freud em “Linhas de progresso na terapia psicanalítica” (1919) diz: “Isso porque consegui ajudar pessoas com as quais nada tinha em comum – nem raça, nem educação, nem posição social, nem perspectiva de vida em geral – sem afetar sua individualidade.” (p.207) E vale salientar que, determinados quesitos não necessariamente vão poder conduzir a uma boa escolha ou vão garantir um bom percurso do processo analítico, como por exemplo, querer um psicanalista com certa idade, com consultório moderno ou não, homem ou mulher, etc. Se permitir vivenciar a experiência do encontro com um psicanalista, uma vez que nos vinculamos ao outro por identificações inconscientes, valerá mais do que preencher um checklist. “Viver é um rasgar-se e remendar-se” (Guimarães Rosa) (Artigo originalmente publicado em 02/12/2021) Daisy Lino psicanalista, membro efetivo do TRIEP daisy_lino@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #triep #triepjundiai #psicanalisejundiai #terapia #análise #freud #tripedaformacao #eticapsicanalitica #daisylino

  • O excesso de tarefas do dia a dia

    Quem nunca se aborreceu ou se sentiu angustiado com as várias tarefas do dia a dia? É comum nos queixarmos sobre o tanto de coisas que temos a fazer sem muitas vezes saber por onde começar. Pegar o filho na escola, boletos para pagar, ter um tempo para namorar, cuidar da casa e do trabalho. Tudo isso somado com as várias demandas que temos que resolver de última hora e que não estavam programadas. Entre momentos nada agradáveis e outros de prazer, temos de dividi-los de alguma forma. Quais são prioridades? O que podemos deixar para lá ou ainda adiar? Como intercalá-los? Soma-se a isso tudo a correria do cotidiano e a possibilidade que qualquer pessoa tem para nos contactar via as redes sociais ou pelo celular, já que estamos conectados praticamente o tempo todo. Como bem notou David Le Breton, antropólogo e sociólogo francês, em seu livro Desaparecer de si: uma tentação contemporânea, “a insuficiência é para a pessoa contemporânea o que o conflito era para a da primeira metade do século XX” (p. 10). Esta citação nos faz refletir como a insatisfação passa a ser uma constante em um mundo veloz como o nosso, onde fazemos muitas coisas ao mesmo tempo sem que possamos, muitas vezes, concluir todas elas. Fica sempre aquela sensação de que falta algo e uma possível sensação de incompetência. O resultado desta luta diária entre o que deveríamos fazer e o que de fato realizamos acaba se refletindo em um excesso de responsabilidade sobre nossas costas e no inevitável sentimento de incapacidade, podendo gerar uma angústia muito intensa a depender do tamanho do ideal que nos imputamos a ter que atingir, ou seja, qual a altura da perfeição que acreditamos ter de alcançar. Mais uma vez, como diz Le Breton: “Em uma sociedade onde se impõem a flexibilidade, a urgência, a agilidade, a concorrência, a eficácia etc., ser si mesmo já não é algo evidente visto que a todo instante urge expor-se ao mundo, adaptar-se às circunstâncias, assumir sua autonomia, estar à altura dos acontecimentos. Já não basta nascer ou crescer, é preciso construir-se permanentemente, manter-se mobilizado, dar sentido à vida, fundamentar suas ações nos valores. A tarefa da individuação é árdua, sobretudo quando se trata de ser exatamente si mesmo”. (p. 10). Em nossa época pós-moderna, quando a noção de identidade entra em crise e precisamos nos reinventar constantemente, nem por isso a exigência ao que fazemos se tornou menos intensa. Em um mundo onde tudo está conectado, acabamos sofrendo pelo excesso de possibilidades de tudo o que nos chega: temos acesso às mídias sociais, aos canais de notícias e entretenimento etc., nos causando angústia justamente por tentarmos barrar este excesso de coisas. Diante de tal acúmulo de informações e das melhores dicas e sugestões de como devemos nos portar, podemos nos apegar a estes vários ideais disponíveis, afinal não são poucos os canais que nos bombardeiam todos os dias com todo esse material. Acreditamos que para termos sucesso precisamos somar, acumular. Ao contrário, para termos a possibilidade de usufruir das nossas conquistas, precisamos aprender a perder. Precisamos parar, remanejar, dividir e deixar algumas coisas para lá para podermos avançar. Ou seja, é preciso rever a antiga concepção de eficiência. Para tanto, precisamos refletir sobre quais são os nossos ideais, ou seja, qual é o patamar que acreditamos ter de atingir para que possamos nos sentir minimamente satisfeitos; se tal satisfação de fato pode ser alcançada ou se nos entregamos a outras tarefas sem cessar e sem a menor possibilidade de descanso. Fabiana S. Pellicciari psicanalista, membro efetivo do TRIEP fabiana.pellicciari@gmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #triep #triepjundiai #psicanalisejundiai #eficiencia #excessodetarefas #diaadiacansaco #posmoderno #ganhos #perdas #descanso #satisfacao #perfeicao

  • Sua majestade, o doguinho!

    Sim, o doguinho, ou melhor, os pets, estão ocupando um lugar muitíssimo especial na vida dos humanos, o lugar majestoso que outrora, ao menos psicanaliticamente falando, cabia à majestade, o bebê, desde as definições de Freud em seu artigo “Introdução ao Narcisismo”, fazendo referência a um lugar psíquico, investido por um outro humano, capaz de, através deste investimento narcísico, transformar um pedacinho de gente em um ser humano complexo. Agora esse lugar de investimento narcísico parece pertencer aos pets! Poucos dias atrás, a empresa publicitária OnePoll, nos Estados Unidos, publicou uma pesquisa que tinha como objetivo saber se “Você fica mais feliz ao ver seu pet ou seu crush?” Sem titubear, 36% dos entrevistados da Geração Z (nascidos entre 1990 e 2010) responderam que ficam mais felizes ao verem seu animal de estimação do que seu “contatinho”. A porcentagem sobe para 48% quando a pergunta aos entrevistados diz respeito a toparem abrir mão de um relacionamento por um ano, se isso implicasse em um ano de vida a mais para seu pet... E não para por aí. 72% da geração de nascidos entre 1960 e 1980 e de 1990 a 2010 (gerações X e Z) afirma que prefere investir suas economias em seu pet a fazer alguma viagem de férias! Sorte a desses bichinhos, não? Um lugar todo especial, requer, talvez, uma pergunta sobre tamanho privilégio. Por que nos dedicamos com tanto amor a estes seres? Freud era um grande admirador dos animais, em especial dos cães. Uma de suas cachorras, Jofie, o acompanhava na sessão com seus pacientes. Era ela que, ao se levantar “dos pés do divã”, anunciava que a sessão havia chegado ao fim. O criador da psicanálise acreditava que os animais eram capazes de sentir e apaziguar o sofrimento emocional de seus pacientes. E até mesmo o dele. Em uma de suas entrevistas, ele conta que soube que estava prestes a morrer quando, por ocasião do avanço de sua doença, uma de suas cachorras, Lün, se afastou dele, dando-lhe as costas, em reação ao odor que ele exalava de seu maxilar, em decorrência dos agravos de um câncer... Ele atribui essa capacidade dos animais (domésticos, principalmente cães e gatos) de sentir, perceber, apaziguar, como resultante do fato destes animais, diferentemente dos seres humanos, não sofrerem de uma personalidade dividida, de um ego que busca se adaptar às exigências da sociedade e da cultura. O animal simplesmente é. Tamanho encanto por esses seres não se limitou a Freud. E propiciou que alguns outros psicanalistas buscassem compreender a função dos animais de estimação para os humanos. Françoise Dolto, pediatra e psicanalista francesa, por exemplo, em ressonância às afirmações de Freud, diz que “os animais são os mediadores daquilo que os seres humanos sentem”, e a partir disso, observa a relação da criança com seu animal de estimação e o quanto esta relação seria constitutiva de seu narcisismo. Nesta relação, estão expressas identificações, projeções, ideais, expressões de confronto, conforto, amizade... o que nos permite pensar o quanto, enquanto humanos, buscamos nos animais de estimação, uma espécie de relação ideal por vezes impossível de estabelecer com outro humano. Nesta relação de diferentes, projetamos no nosso animalzinho, um tanto de nosso desamparo, outro tanto da maneira como gostamos de cuidar e ser cuidados, e mais um tantão do quanto acreditamos haver ali algumas certezas e garantias do quanto este amor ao nosso pet é recíproco, e é a maior representação de fidelidade, lealdade, parceria e “cãopanheirismo”. Além disso, na interação com um doguinho (mais especificamente), é possível experimentar o que Winnicott chamou de espaço potencial, momento em que não estamos nem totalmente na realidade externa, e nem totalmente imersos em nossa realidade interna. Mas transitamos num espaço de criação, brincadeira e inventividade que nos permitem o resgate do lúdico e da experiência criativa, espaço de grande importância para nosso psiquismo e subjetividade. Outro ponto curioso, é trazido por Vladimir Safatle, filósofo, escritor e músico brasileiro, em um texto antigo, no qual ele conta que Ulisses, ao retornar de sua Odisseia, vestido de mendigo, entra em casa e não é reconhecido por sua Penélope. Ela precisava de garantias de que aquele era seu amado. Mas Argo, seu cão, o reconhece imediatamente. E logo morre em seus braços, como se apenas estivesse aguardando seu retorno para um reencontro. Aqui Safatle salienta que o cão reconhece em Ulisses sua animalidade, esta que tanto tentamos disfarçar, esconder, camuflar... “O cão aparece na Odisseia como o único capaz de reconhecer algo como o “ser bruto” de Ulisses. (...) haveria algo em nós que só é reconhecido através dos olhos de um animal? (...) talvez ele encontrasse sua certeza no resto de animalidade que existe em nós (...) estamos tão presos à procura de reconhecimento por outros sujeitos, precisamos tanto do assentimento fornecido por outros sujeitos que esquecemos como, muitas vezes, o que nos reconforta, o que nos diz realmente que estamos em casa é ser reconhecido por um animal, ser reconhecido por algo que, afinal, não é uma consciência de si. Os animais percebem os animais que ainda somos, eles nos lembram de um “aquém” da individualidade a respeito da qual nunca conseguimos nos afastar totalmente.” Todas estas variáveis estão presentes em nossa relação com um animal de estimação. Apesar de tudo e qualquer coisa, ou para além de representar nosso duplo, ele apenas nos estima. Ao contrário das relações humanas que nos exigem trocas, o amor de um animal de estimação por nós parece não fazer exigências. Há um aparente amor desinteressado, que nada pede em troca, e que tudo oferece. Parece perfeito né? E para alguns, isso já é o suficiente! Leila Veratti Psicanalista, membro efetivo do TRIEP leilacsantos@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #leilaveratti #o_diva_a_passeio #psicanaliseepets #amorporpets #animaisdeestimacaoepsicanalise #onepool #revistatpm

  • Adolescência: um instante de olhar

    quando eu tiver setenta anos quando eu tiver setenta anos então vai acabar esta minha adolescência vou largar da vida louca e terminar minha livre docência vou fazer o que meu pai quer começar a vida com passo perfeito vou fazer o que minha mãe deseja aproveitar as oportunidades de virar um pilar da sociedade e terminar meu curso de direito então ver tudo em sã consciência quando acabar esta adolescência (Paulo Leminski) O poema acima aponta para algumas ideias bastante difundidas entre nós, dentre elas a de que a adolescência em sua duração é bastante variável e que a “consciência” no poema se refere a um entendimento do mundo, de objetivos de vida e relações interpessoais que seria recuperada passado esse período. A entrada na adolescência, sociologicamente reconhecida como momento de transição entre infância e a vida adulta, tem grandes variações nos rituais em cada cultura. Porém sua entrada é certa e coincide com mudanças biológicas intensas: conhecida como puberdade. Com as grandes mudanças no corpo a aparência é investida com grande interesse e muitos estranhamentos por parte dos púberes, dos pais e de todo o entorno de seu convívio. A curiosidade que a sexualidade imprime é vivida como tema central e de maneiras muito distintas, mas uma coisa é incontornável: a partir desse momento serão reavivados os impulsos da sexualidade infantil e as marcas por ela deixadas. Freud, já no Projeto para uma Psicologia Científica (1895), texto inicial de suas pesquisas sobre a mente, nos apresenta a ideia de que as experiências vividas em um período da vida (a sexualidade na infância) sejam recordadas em outros com as “novidades” do momento (mudanças no corpo do púbere). Por exemplo, aquilo que foi vivido como jogo animado e excitante do corpo e com autorizações e proibições específicas da infância, agora é revisitado retroativamente e experimentado com novo entendimento. Podemos dizer que a constituição do Eu para o bebê tem um importante momento inicial que é a experiência e descoberta do corpo quando o bebê começa a dominar seus movimentos e se reconhecer neles. Esse corpo fonte de intensas sensações irá prestar contas à civilização podendo experimentar o que é possível e permitido a essa idade. Na adolescência se revive essa experiência de descoberta corporal, agora com novas “regras” que deslocam do já conhecido universo da infância para a convocação para novas aventuras. Na dificuldade de entender e expressar tanta novidade, em geral a palavra é substituída pelo ato. Ato esse que pode ser o gesto de nada falar, por exemplo, tornando esse momento crítico, de crise da existência, como preocupante por parte dos pais e/ou aqueles que cuidam desses jovens. Nessa convocação para a vida adulta, a insegurança frente ao novo é assombrada por altas expectativas e a fantasia de soluções ideais! A formação do Eu, mencionada acima, também é marcada pela ilusão do ideal. Um bebê investido na posição daquilo que Freud chamou de “sua majestade o bebê” vai se descobrindo, conforme se desenvolve, aquém da posição ideal que o olhar dos pais o colocou. A adolescência que tem como característica apontar em direção à vida adulta é reconhecida pelo jovem e este se sente amedrontado pela ideia de que “agora é pra valer”. As idealizações tomam a frente de todo “projeto” que passa a ser intimidado pelas altíssimas expectativas de uma satisfação da ordem do impossível, que acredita poder reeditar a ilusão da experiência do narcisismo vividos na formação do Eu na esperança de continuar seu “reinado”. Uma saída desse período se encontra no tempo, que pode se estender muito e não coincide com uma idade específica. Sendo assim: o final da adolescência se justifica mais por uma mudança da lógica de como se posicionar frente ao mundo e todas as mudanças que ocorreram desde a infância do que apenas por uma passagem cronológico do tempo. Por essa ótica podemos implicar que a passagem dramática pela adolescência tenha transitado em direção a um período em que a responsabilização pelos desejos e projetos possam tentar ser vividos não mais com um “plano" ideal para que se possa então, investir o mundo em suas possibilidades de satisfações possíveis. A ideia no título “Um instante de olhar” aponta para o que possa ser um facilitador dessa transição em que o cuidado atravessado pelas referências e concepções do “mundo adulto” não aniquile a inventividade criativa e singular de como habitá-lo com nossos sonhos. Gustavo Florêncio Fernandes Psicanalista, membro efetivo do TRIEP gusff@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #gustavoflorenciofernandes #adolescencia #adolescente #freud #lacan

  • Violência Sexual: pedofilia

    A violência contra a criança, de maneira geral, acompanha a história da humanidade e durante muito tempo foi vista como natural e normal. Somente no século XX a concepção sobre infância começou a se modificar e trouxe consigo a valorização, defesa e proteção da criança. Formulou-se, então, os seus direitos básicos e assim foram reconhecidos como seres humanos especiais, de características específicas e com direitos próprios. No Brasil, a violação dos direitos humanos, e especificamente das crianças, é fato. A violência que, de modo geral, atinge todas as camadas sociais, deve ser vista como uma questão de saúde pública, pois é uma ameaça à vida da população em geral. No que diz respeito à violência sexual contra a criança, a pedofilia ressurge na calada da vida cotidiana (incluindo a internet) e interfere drasticamente no desenvolvimento do psiquismo infantil, provoca traumas irreversíveis e, em alguns casos, até doenças sexualmente transmissíveis. As notícias veiculadas pela mídia de casos de pedofilia ampliaram a abordagem do problema social e criminalmente, mobilizando a opinião pública e promovendo campanhas de conscientização contra o abuso sexual. Para a psicanálise, a pedofilia é uma perversão sexual que envolve fantasias sexuais da primeira infância em um período de intensa ambivalência da criança com os pais. Em cada ato pedófilo envolvendo uma criança, o abusador aviva a esperança de realizar o impossível da relação sexual – a relação incestuosa. Tentar realizar o impossível (o intolerável) caracteriza-se como uma atitude de desafio, desprezo e recusa. Mas recusa a quê? Às leis, simbólica e social, elementares para a convivência humana da interdição do incesto e assim, destruindo os limites de proteção ao outro ser humano. É um ato em que o abusador coloca a criança no lugar de um objeto de gozo para um desejo sexual errante, ou seja, o sujeito realiza uma fantasia que não apresenta escolha ao outro. Com uma sexualidade inibida, não desenvolvida, o agressor tende a escolher como parceiro uma pessoa vulnerável, possuindo sobre ela uma ilusão de potência e poder. O ato pedófilo é sempre progressivo e quanto mais medo, aversão ou resistência pela vítima, maior o prazer do agressor, maior a violência. Dificilmente um pedófilo sente atração sexual por uma pessoa adulta; ele pode até se relacionar sexualmente com ela, embora não obtenha tanto prazer sexual como quando está com uma criança. O pedófilo, “sedutor” ou “abusador” de menores, é descrito como pessoa comportada e respeitada, que esconde dos outros a prática sexual com crianças. É fato que o pedófilo guarda seu segredo até ser descoberto e dificilmente procura ajuda, até porque os profissionais de saúde têm o dever de denunciar os casos de que tome conhecimento (artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente). A violência contra crianças traz para todos nós desafios, pois como conviver com esse mal-estar da contemporaneidade, sem sucumbir a ele? É preciso oferecer espaços de escuta para a fala daqueles que sofrem para que seja possível modificar e dar um sentido novo a esse devastador sofrimento. Um espaço para aqueles que sofreram violências, mesmo as que não fizeram marcas visíveis no corpo, poderem colocar livremente em palavras a um outro, capacitado a escutá-la em sua singularidade, a violência silenciosa do dia a dia. Falar produz efeitos terapêuticos e, como Freud afirmou mais de uma vez, o objetivo da psicanálise é diminuir o sofrimento humano. No seu texto “Linhas de progresso na terapia psicanalítica” de 1919, Freud escreveu que “as neuroses ameaçam a saúde pública não menos do que a tuberculose, e que, como esta também não pode ser deixada aos cuidados impotentes de membros individuais da comunidade”. Daisy Lino Psicanalista, membro efetivo do TRIEP daisy_lino@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #daisylino #freud#curapelafala#inconsciente

  • A vida numa "bolha"

    Um evento ocorrido no último dia 19 de abril, na cidade do Rio de Janeiro, pode servir de ilustração sobre o tempo em que vivemos. Um casal participava de um passeio ao mar, dentro de uma bolha inflável, segurada por uma corda e conduzida por um instrutor. Durante o trajeto, a corda se soltou deixando o casal à deriva e o instrutor começou a se afogar, pois não sabia nadar. Todos foram socorridos pelo corpo de bombeiros. Link da reportagem: Não sabemos os motivos que levaram essas pessoas a buscar um divertimento que as isolasse do contato com o mar, mas este fato nos indaga a respeito desta forma específica de entretenimento na qual há uma tentativa de delimitação de espaços, como se não pudessem se misturar com as águas do mar. Por que precisaríamos nos separar do nosso entorno? Será que precisamos de outras “bolhas” nas outras esferas de nossas vidas? Que outros meios dispomos para tentarmos amenizar tal impacto com o meio externo e com os outros ao nosso redor? Nos dias atuais temos várias experiências intermediadas pelas telas: do computador, do celular, do tablet, etc. Porém, tal recurso acaba nos deixando reféns do contato tridimensional, do encontro presencial, que comporta certas peculiaridades impossíveis de serem transportadas para o mundo digital, como as várias sensações táteis e os efeitos que a presença dos outros pode nos causar e que, justamente, não são reduzíveis às imagens puras e simples: comportam o imprevisível dos encontros, já que não sabemos o que surgirá quando estamos diante de uma situação na qual não conhecemos; não sabemos o que fazer com o olhar de outra pessoa diante de nós; não sabemos como nos portar diante de um silêncio que se instaura numa conversa com alguém; enfim, não sabemos. É muito difícil não saber, não ter o controle da situação, não ter uma receita prévia de como agir. São situações que nos afetam, nas quais nos sentimos absorvidos com algo que não depende de nossas instruções. Em uma sociedade em que a própria invisibilidade pode ser desejada, onde muitas vezes o apelo é para continuarmos em nossas “bolhas” de insignificância, podemos nos sentir perdidos quando resolvemos nos aventurar pelo mundo: “quem somos nós?” é a pergunta que se impõe. Podemos desejar entrar em grupos para sumirmos na multidão como tentativa de apagamento de nós mesmos. Pode ser muito difícil vir à tona e descobrir todas as facetas que nos compõe e não apenas uma parte do que queremos expor nas redes sociais, recortada com todo o cuidado para nunca mostrarmos o que não queremos descobrir a nosso respeito. Até quando formaremos “bolhas” para fugirmos de nós mesmos? Qual é o medo mais essencial de nos mostrarmos para o mundo e para os outros? Qual é a imagem que queremos passar? Porém, como toda imagem é frágil e não se sustenta por muito tempo, precisará de subterfúgios para continuar a manter-se em pé. Um dos recursos é a pessoa precisar se apoiar em situações cujo contato com o mundo tenha o menor impacto possível: o uso indiscriminado das telas; a tentativa de formação de grupo de pessoas que pensem da mesma forma, tanto nas redes sociais como fora delas; tentativas de manipulação das próprias imagens (fotos ou vídeos) que reproduzam apenas a face que queremos que seja vista pelos outros; e assim por diante, indicando todo e qualquer esforço de nos fecharmos em “bolhas” para nos fazer crer diferente dos demais. Mas, como na imagem da bolha do mar que se perde quando a corda se solta, mostra que aquilo que deveria nos manter distante do resto do mundo, acaba nos aprisionando. As pessoas ficaram presas aguardando pelo resgate do corpo de bombeiros, não conseguiram sair sozinhas desta situação aflitiva. No fim, aquilo que poderia ser a nossa defesa de contato com o mundo (uma bolha de plástico boiando no mar) torna-se a nossa armadilha: precisamos de outros para nos ajudar a sair dessa situação de isolamento. Fabiana S. Pellicciari psicanalista, membro efetivo do TRIEP fabiana.pellicciari@gmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #triep #triepjundiai #psicanalisejundiai #bolhariodejaneiro #culturadaindiferenca #isolamento #culturadaimagem

  • Quem foi André Green?

    André Green nasceu em março de 1927 no Cairo, Egito. Desde muito cedo sentia-se atraído pela França e pela língua francesa. Neste país, fez seus estudos em Medicina e sua formação como psicanalista, bem como suas análises pessoais. Sempre foi reconhecido como um psicanalista intransigente, devido ao rigor de suas colocações e pelo seu compromisso ético com a psicanálise. Sua inserção no meio psicanalítico se deu lentamente e “sua entrada na Sociedade Psicanalítica de Paris provocou polêmicas entre seus colegas pelo grande rigor no plano ético e humano e pela extrema fidelidade a Freud. Mas conseguiu tornar-se membro titular e depois presidente da SPP, em 1987. Com os anos, Green conseguiu ter mais serenidade, mesmo sem ter perdido seu gosto pelo debate, até mesmo pela polêmica.” (I. Paniago) O envolvimento com estudiosos do quilate de Lacan, Klein, Winnicott e Bion e o mergulho em suas teorias, não fez com que Green aceitasse passivamente seus pontos de vista e afirmações. Ao contrário, seu pensamento crítico e voracidade investigativa, o colocou em franca verificação clínica e metapsicológica dos conceitos para, ao longo do tempo, discutir, confirmar ou mesmo refutar aquilo que aprendeu de seus mestres e contemporâneos. Bases que fortalecem e orientam sua obra, hoje reconhecida como um dos pilares para o pensamento da psicanálise e da clínica contemporânea. Em seus estudos, André Green buscava aprofundar-se na compreensão da vida emocional primitiva, os processos iniciais de constituição do psiquismo, e a questão dos afetos, com o intuito de trazer subsídios para sua atividade clínica. Esse interesse, propiciou a Green envolver-se com temáticas que relacionam os processos iniciais da constituição do psiquismo e as patologias daí decorrentes. Seu pensamento é frutífero no que diz respeito ao diálogo estabelecido com diferentes correntes e escolas psicanalíticas, e na interlocução com autores da atualidade, possibilitando-nos avançar nas questões colocadas pela clínica contemporânea, acompanhar seu desenvolvimento, e reconhecer ainda assim, suas bases freudianas no que remete à necessária metapsicologia. É na chave de leitura freudiana que Green lê seus mestres, cria e desenvolve seu pensamento singular. Numa ocasião, foi perguntado a Green qual era a novidade em Psicanálise. Sem titubear, Green responde: Freud! É nessa referência ao inventor da Psicanálise, na germinação de sementes colocadas a partir de sua obra e na continuidade dos caminhos que, a Freud, não foram possíveis percorrer, que André Green retorna e cria um pensamento independente. Em seus trabalhos teóricos e clínicos, Green aprofunda-se na metapsicologia freudiana e trabalha “temas como o afeto, os casos-limite, a clínica do vazio, a teoria do negativo, o narcisismo negativo, a alucinação negativa, a psicose branca, o irrepresentável e a pulsão de morte, a mãe em todos os seus estados (mãe morta, mãe fálica, mãe negra), funções objetalizante e desobjetalizante, e a terceiridade” (I. Paniago) Estes temas contribuem efetivamente com o pensamento sobre a psicanálise contemporânea e sua clínica, e revela as influências dos pensadores com quem Green mais dialogou. Suas proposições nos levam a refletir sobre a transmissão da psicanálise e nos possibilita, enquanto analistas, a repensar o enquadre e a conjugá-lo a partir das “novas” patologias clínicas, de modo a viabilizar o desenvolvimento de um processo analítico. É nessa esteira que André Green (1927-2012) se constitui como um importante pensador da psicanálise contemporânea, tendo contribuído de forma bastante original para seu desenvolvimento, apresentando, ao longo de seu percurso, uma obra reconhecida em sua densidade e relevância. Ficou interessado neste autor da psicanálise? Venha participar da aula inaugural e do grupo de estudos que será iniciado em Maio. Inscrições pelo nosso site. Leila Veratti Psicanalista, membro efetivo do TRIEP leilacsantos@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #leilaveratti #o_diva_a_passeio #andregreen #psicanalisecontemporanea #casoslimites #pacienteslimites

  • Tudo em todo lugar ao mesmo tempo na Matrix

    Passados os minutos iniciais do filme, “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, a história insólita com estética acelerada que pode perturbar o espectador, vai se tornando perfeitamente alinhado com seu título. Ao mesmo tempo que a vida da protagonista, Evelyn Quan Wang (Michelle Yeoh, vencedora do Oscar de melhor atriz em 2023), ocorre em uma história apresentada como “oficial” e aceitável para nosso reconhecimento imediato como “a realidade”, somos logo apresentados a “mundos” paralelos, frutos de outras escolhas e acontecimentos, como bifurcações não acessíveis a todos e com consequências completamente distintas. Nesses mundos paralelos coincidem os atores, porém suas personagens tiveram destinos e personalidades diferentes da primeira história que temos contato no filme. O inevitável espanto de Evelyn frente a experiência desses mundos distintos, porém não menos reais me levam a uma ideia que me parece incontornável: em algum momento o espectador será remetido a Matrix. No filme “Matrix” (1999), Neo o protagonista, é apresentado a um mundo sem o véu criado pela Matrix onde pôde ver a destruição causada pela poluição e pela dominação das máquinas. A busca de Neo encontra, mesmo que assustadora, uma revelação, um mundo cru, sem a ilusão fabricada pela Matrix, uma fascinante descoberta que esclarece as questões de Neo. Em “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” não se encontra esse lugar de estabilidade (mesmo que aterrorizante como encontrado por Neo) e sim uma dinâmica inconstante que a qualquer momento as personagens são lançadas a um novo fluxo incontrolável de acontecimentos com referências completamente novas e distintas. Diferente de Neo que encontra uma terra devastada, mas a encontra. Em “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” a não chegada, uma jornada onde a carta de navegação foi perdida, mesmo que buscada por Evelyn, está se encontra sempre frente uma repetição minimamente reconhecível, porém com diversos aspectos diferentes e inusitados que freneticamente nunca cessam de se transformar, colocando a experiência de incerteza constante como um elemento extremamente angustiante. Uma organização, seja qual for, um aterrorizante medo fóbico que organize um modo de estar na vida ou qualquer outro sintoma psíquico, faz parte da experiência neurótica para estarmos no mundo. O sintoma neurótico faz sofrer, mas é também uma maneira de se relacionar com os conflitos psíquicos, foi o arranjo possível para a conquista de uma vida em sociedade buscando alguma realização. Uma posição mais alinhada com a complexidade de nossos desejos e menos alienada frente as constantes e potentes expectativas pelas quais somos bombardeados cada vez mais, parece ser uma conquista subjetiva imprescindível para que possamos lidar melhor com as frustrações e perdas envolvidas em nossas escolhas. Ao final do filme, me parece que uma reconciliação com a filha e com a família faz com que Evelyn saia desses múltiplos universos e uma estabilidade seja reconquistada, com alguns ganhos sobre a verdade das relações daquela família. Tocante pela simbologia, afinal reconquistar uma organização frente ao caos e se relacionar depois de todas as cartas na mesa sempre emociona, mas confesso que fiquei com a impressão de um retorno ao passado e de reentrada na Matrix. Já que o frenesi vivido nas realidades paralelas tem seu desfecho em frente a lavanderia, negócio da família de Evelyn, que depois de toda roupa suja lavada, a mãe reconquista o amor da filha e pode voltar a ganhar seu pão e pagar seus impostos. sugestão de leitura: “As voltas com a Matrix” - www.triep.com.br/post/%C3%A0s-voltas-com-a-matrix Gustavo Florêncio Fernandes Psicanalista, membro efetivo do TRIEP gusff@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #gustavoflorenciofernandes #tudoemtodolugaraomesmotempo #matrix #civilização #freud #lacan #real #asvoltascomamatrix #oscar2023 #oscardemelhoratriz #evelynquanwang

  • Sei tudo que penso, escolho e faço?

    Tenho absoluta consciência e controle sobre tudo o que digo e faço? O que me leva a dizer ou fazer algo é mesmo pelos motivos que penso? Pois é, estaremos muitíssimo enganados se acreditarmos que somos senhores absolutos da nossa mente. Isso porque somos habitados, também, por um inconsciente. No início do século XX, Sigmund Freud apresentou a causalidade psíquica, ou seja, o comportamento humano estaria determinado por uma natureza biológica, como estuda a medicina, e também, pelo inconsciente. O que é inconsciente para a Psicanálise? Aproveitando essa ocasião aviso, subconsciente não existe. Inconsciente para a Psicanálise não é o mesmo que um estado sem consciência, muito menos é alegação suficiente para livrar alguém das responsabilidades de seus atos. Freud utiliza-o para nomear um sistema psíquico diferente dos demais e dotado de atividade e lógica próprias. O inconsciente freudiano não é o caos, o mistério, o ilógico ou a parte louca de cada um de nós. Também não é aquilo que se encontra “embaixo" da consciência. É uma parte de um sistema de funcionamento da mente, tem sua parcela de participação em nossos comportamentos, falas e emoções. Daí, nossas escolhas na vida não serão somente determinadas pelo consciente ou pela simples vontade, mas também por este outro sistema que compõe a mente. Para Freud, o inconsciente funciona de uma forma própria e se expressa em uma linguagem diferente da racionalidade. Usa de expressões indiretas para se manifestar, tais como os esquecimentos, atos falhos, os sonhos e os sintomas. Dizer que se sabe o que se está fazendo ou escolhendo para a vida é algo extremamente relativo. O legítimo “dono” de seu inconsciente é aquele que fala, só ele sabe, sem saber que sabe. Em alguns momentos podemos nos perguntar: o que faço aqui? O que torna minha vida tão insuportável? O que posso fazer para encontrar uma solução para esse problema? São perguntas fundamentais, mas não são fáceis de serem respondidas sozinho. Em Psicanálise supomos que o analisando está se “curando” à medida que se pergunta sobre sua participação em seu sofrimento e se põe a falar na sua análise. A cura é pela fala. Freud diz que as pessoas podem achar estranho que meras palavras possam curar ou aliviar os sofrimentos da mente e do corpo, mas as palavras possuem uma certa “magia”. Ao falar na análise vamos pensando e construindo, através da linguagem, uma nova maneira de compreender os nossos sofrimentos, as nossas escolhas, a nossa história. A partir do referencial - “o ego não é amo em sua própria morada” - Freud dá outro lugar às palavras e vai além delas, buscando aquilo que é dito, mas, também, aquilo que é não dito. As palavras falam de algo que o analisando pretende falar e, também, daquilo que ele busca esconder. Assim, a escuta em Psicanálise não é qualquer escuta. O psicanalista se propõe a escutar o que “não ouve”, escutando o conflito, o sofrimento humano. Uma escuta que acompanha o analisando a se dar conta de sua própria singularidade e se implicar com ela, isto é, decidir o que fazer com isso. Elisabeth Roudinesco, psicanalista francesa, em Por que a Psicanálise? escreve: “... o método psicanalítico é um tratamento baseado na fala, um tratamento em que o fato de se verbalizar o sofrimento, de encontrar palavras para expressá-lo, permite, senão curá-lo, ao menos tomar consciência de sua origem e, portanto, assumi-lo.” Daisy Lino Psicanalista, membro efetivo do TRIEP daisy_lino@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai#triepjundiai #triep #daisylino #cursopsicanalise#freud #curapelafala #inconsciente

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