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A loucura nossa de cada dia


Um menino de 10 anos pegou o revólver do pai; escondeu em sua mochila, negou que o pegou quando perguntado pelo pai; atirou na professora e em seguida se matou.

Muito se falou e se falará sobre os detalhes da vida desse menino, sobre seu pai e seu descuido, sobre sua família. É fácil profetizar depois do ocorrido.

Duro é pensar que não compreendemos, não conseguimos explicar esse tipo de acontecimento. Ficamos perplexos e sem rumo com a constatação de que ignoramos as vicissitudes da condição humana.

Para não nos desesperarmos sempre acreditamos que existem somente dois tipos de pessoas: as normais e as loucas. Mas, reparando bem, qual de nós não tem suas esquisitices?

A loucura não é um fenômeno oposto ao da chamada racionalidade ou normalidade. É algo que convivemos em nós, paradoxalmente é difícil de falar dela na primeira pessoa, mais fácil é falar da loucura do outro.

A perturbação do funcionamento mental de uma pessoa, que chamamos de loucura é um dos mais antigos fenômenos patológicos que continua com incompreensões.

A loucura é entendida como um distúrbio mental, uma ruptura do sujeito com a realidade. Por vezes ruidosa e permanente no doente, mais discreta e momentânea na pessoa “normal”.

Pois, diferentemente do que se crê popularmente, todos - sem exceção - podemos ser acometidos de uma loucura passageira e limitada a um único aspecto da nossa vida.

A loucura não se expressa unicamente por uma conduta bizarra ou absurda. Ela pode se manifestar de vários modos: por um comportamento excessivo, por um pequeno delírio ocasional.

Conhecemos pessoas que rotineiramente se comportam de modo coerente, mas que, em determinados assuntos delicados de suas vidas (dinheiro, sexo, filhos, divórcio, etc.) reagem desproporcionalmente e, achando que estão com a suposta verdade, ficam ensandecidas.

O que é então estar louco?

É ter a certeza cega da verdade do que se pensa e do que se faz. No momento da loucura, não se duvida dos pensamentos e, sem refletir, tem-se a certeza do que deve fazer. Uma ideia fixa e falsa que se repete, toma conta da pessoa e a impele a agir.

A mente cegamente louca submete a realidade à ideia fixa e falsa, ao invés de submeter a ideia à realidade do entorno.

Então, podemos dizer que uma pessoa, mesmo equilibrada, pode ocultar no âmago de sua alma uma fantasia cheia de fel prestes a explodir num acesso de loucura.

A possibilidade de sermos todos loucos em algum canto escuro de nosso funcionamento mental nos é bastante desconfortável; retira-nos as ilusões de que tudo é explicável por uma causalidade de fácil domínio.

Tudo parecia tão bem: um bom menino, bom filho, um menino como os outros, normal... Acontece justo aí uma tragédia, o imponderável.

Cada um de nós é vários, é muitos, é uma prolixidade de si mesmos. Por isso aquele que despreza o ambiente não é o mesmo que dele se alegra ou padece. Na vasta colônia do nosso ser há gente de muitas espécies, pensando e sentindo diferentemente.” (Fernando Pessoa, Livro do desassossego, anotações de 30/12/1932.)

Daisy Maria Ramos Lino

Psicanalista, membro efetivo do TRIEP.

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