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A outra face humana.

A violência é um tema que incomoda, uma realidade da qual ninguém escapa e de qualquer ponto de vista que o abordemos, é extremamente complexo.



Encaramos, habitualmente, a violência como um ato enlouquecido, pelo prisma de uma exceção, ou seja – como transgressão de regras, normas e leis já aceitas por uma comunidade. Violência, em nossa fantasia, está associada à marginalidade, aos atos físicos de abuso (assalto, assassinato, etc.).


Mas, a violência é parte da condição humana. Todos, por muito pacifistas que sejamos em algum momento nos descobrimos violentos, nos descobrimos odiando e fazendo, ou ao menos desejando, o mal para alguém. Ou seja, todos somos em maior ou menor medida portadores de algum tipo de violência.


Em “Privação e delinquência, Winnicott (1987) nos diz que "de todas as tendências humanas, a agressividade em especial, é escondida, disfarçada, desviada, atribuída a agentes externos e quando se manifesta é sempre tarefa difícil identificar suas origens". Assim, poucas pessoas admitem serem cruéis em atos e em pensamentos. Aqui temos todo um trabalho de civilização que nos "educa" a tolhermos e ocultarmos essa vertente de nossa fisiologia e, para Freud (1930), é este o preço alto que pagamos em nome da civilização, até porque não há como eximir a agressividade do ser humano. Quando ela não aparece de uma forma explícita, aparece de forma implícita, aparece nas perguntas provocativas disfarçadas de “interesse” e/ou nos comentários irônicos das redes sociais e, até nos silêncios.


Além das grandes violências como guerras, fome, genocídios etc., temos as não tão pequenas violências cotidianas como a exclusão social.


A pobreza, a miséria estampada no coração da cidade perturba os olhares do “cidadão de bem” que por ali passa. Mais uma desapropriação urbana limpa a metrópole de sua “sujeira”, do corpo entulho que precisa ser descartado... A história mostra, através da indiferença face aos miseráveis, a facilidade com que se desumaniza aquele que julgamos como "inferior" sem que nos sintamos minimamente responsáveis. Acreditando que este não é sujeito moral como "nós", toda crueldade pode ser cometida.


O que será que nos torna assim tão cruéis? Temos medo do igual. Igual não só como aquele que, na versão psicanalítica nos remete aos nossos próprios horrores como também, na versão política e social, aquele que tem acesso aos mesmos direitos que nós. As cópias imperfeitas de nós mesmos.


A problemática da violência e de seus destinos contemporâneos, alastrados por todos os segmentos subjetivos e sociais, faz-nos pensar na urgência em construirmos sentido às nossas vivências sociais.



É preciso refletir de que forma as precárias condições de habitação, saúde, educação e inclusão social atuam na dinâmica das relações; qual o lugar que o espaço habitado ou a cidade em que vivemos ocupa na construção de nossa identidade.


Consideramos, então, que devemos relacionar a violência atual não só ao declínio das autoridades ou a uma ausência de medidas de contenção, mas também à falta de um ambiente que sobreviva às expressões da agressividade sem que o sujeito venha a se sentir ameaçado. Pois, é impossível que um sujeito venha a se constituir ou se manter como tal quando a brutalidade da vida o impede de pensar, de acreditar num futuro e de sentir esperança.


Na falta de princípios condizentes com a condição humana não há sujeito, não há lugar nem mesmo para a continuidade da vida.


Daisy Maria Ramos Lino

psicanalista - membro do TRIEP


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