Um evento ocorrido no último dia 19 de abril, na cidade do Rio de Janeiro, pode servir de ilustração sobre o tempo em que vivemos. Um casal participava de um passeio ao mar, dentro de uma bolha inflável, segurada por uma corda e conduzida por um instrutor. Durante o trajeto, a corda se soltou deixando o casal à deriva e o instrutor começou a se afogar, pois não sabia nadar. Todos foram socorridos pelo corpo de bombeiros.
Não sabemos os motivos que levaram essas pessoas a buscar um divertimento que as isolasse do contato com o mar, mas este fato nos indaga a respeito desta forma específica de entretenimento na qual há uma tentativa de delimitação de espaços, como se não pudessem se misturar com as águas do mar.
Por que precisaríamos nos separar do nosso entorno? Será que precisamos de outras “bolhas” nas outras esferas de nossas vidas? Que outros meios dispomos para tentarmos amenizar tal impacto com o meio externo e com os outros ao nosso redor?
Nos dias atuais temos várias experiências intermediadas pelas telas: do computador, do celular, do tablet, etc. Porém, tal recurso acaba nos deixando reféns do contato tridimensional, do encontro presencial, que comporta certas peculiaridades impossíveis de serem transportadas para o mundo digital, como as várias sensações táteis e os efeitos que a presença dos outros pode nos causar e que, justamente, não são reduzíveis às imagens puras e simples: comportam o imprevisível dos encontros, já que não sabemos o que surgirá quando estamos diante de uma situação na qual não conhecemos; não sabemos o que fazer com o olhar de outra pessoa diante de nós; não sabemos como nos portar diante de um silêncio que se instaura numa conversa com alguém; enfim, não sabemos.
É muito difícil não saber, não ter o controle da situação, não ter uma receita prévia de como agir. São situações que nos afetam, nas quais nos sentimos absorvidos com algo que não depende de nossas instruções.
Em uma sociedade em que a própria invisibilidade pode ser desejada, onde muitas vezes o apelo é para continuarmos em nossas “bolhas” de insignificância, podemos nos sentir perdidos quando resolvemos nos aventurar pelo mundo: “quem somos nós?” é a pergunta que se impõe.
Podemos desejar entrar em grupos para sumirmos na multidão como tentativa de apagamento de nós mesmos. Pode ser muito difícil vir à tona e descobrir todas as facetas que nos compõe e não apenas uma parte do que queremos expor nas redes sociais, recortada com todo o cuidado para nunca mostrarmos o que não queremos descobrir a nosso respeito.
Até quando formaremos “bolhas” para fugirmos de nós mesmos? Qual é o medo mais essencial de nos mostrarmos para o mundo e para os outros? Qual é a imagem que queremos passar?
Porém, como toda imagem é frágil e não se sustenta por muito tempo, precisará de subterfúgios para continuar a manter-se em pé. Um dos recursos é a pessoa precisar se apoiar em situações cujo contato com o mundo tenha o menor impacto possível: o uso indiscriminado das telas; a tentativa de formação de grupo de pessoas que pensem da mesma forma, tanto nas redes sociais como fora delas; tentativas de manipulação das próprias imagens (fotos ou vídeos) que reproduzam apenas a face que queremos que seja vista pelos outros; e assim por diante, indicando todo e qualquer esforço de nos fecharmos em “bolhas” para nos fazer crer diferente dos demais.
Mas, como na imagem da bolha do mar que se perde quando a corda se solta, mostra que aquilo que deveria nos manter distante do resto do mundo, acaba nos aprisionando. As pessoas ficaram presas aguardando pelo resgate do corpo de bombeiros, não conseguiram sair sozinhas desta situação aflitiva.
No fim, aquilo que poderia ser a nossa defesa de contato com o mundo (uma bolha de plástico boiando no mar) torna-se a nossa armadilha: precisamos de outros para nos ajudar a sair dessa situação de isolamento.
Fabiana S. Pellicciari
psicanalista, membro efetivo do TRIEP
fabiana.pellicciari@gmail.com
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