Em um trabalho de 1895 intitulado “Projeto para uma psicologia científica” (1895), Freud elabora com as ferramentas e pesquisas de sua época um tratado sobre o funcionamento mental segundo a interação de forças internas e externas ao organismo e as marcas de memória deixadas nesse aparelho psíquico. As hipóteses bastante inovadoras são no intuito de encontrar um modelo naturalista que pudessem dar conta dos impasses clínicos que resistiam a uma explicação fisiológica.
As inquietações freudianas se impunham frente a fenômenos de paralisias, por exemplo, que eram incompatíveis com a explicação neurológica e/ou anatômica. Ressalta ele que os corpos apresentados nas paralisias histéricas se assemelhavam aos contornos expressos no cotidiano e seus limites não se afinavam com a fisiologia. Os braços coincidiam exatamente com as mangas das roupas, as mãos com as luvas e em nada correspondiam as delimitações das inervações encontradas pela neurologia.
Na conferência XXXV – Acerca de uma visão de mundo (1933), nas Novas Conferências Introdutórias à Psicanálise, Freud argumenta, dentre outros aspectos, sobre a diferença da religião, que apoia suas explicações em dogmas que não podem ser questionados pelos fiéis e a ciência que trabalha com hipóteses que podem ser revisadas conforme o seu desenvolvimento.
Com o título polêmico: Que bobagem! pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério, Natalia Pasternak e Carlos Orsi, não consideram a evolução da psicanálise dentro mesmo da obra de Freud ao reduzirem a teoria psicanalítica sem levarem em conta as reformulações de conceitos.
Debates sobre ser a psicanálise ou não ciência ocorrem desde os tempos de Freud e são do interesse de todos, o que é bem diferente de uma postura não de debate e sim de uma verdade última trazida pelos autores expressa já no título do livro.
Freud era um pesquisador e estava aberto às transformações de sua teoria e qualquer um que leia a sua obra verá as mudanças que se impõem frente aos impasses clínicos que se apresentam.
Frente ao desamparo humano, ansiamos por repostas definitivas que diminuam nossas angústias, podemos nos apegar as religiões, por exemplo, em busca de supostas respostas.
A ciência, mesmo que nos ampare e nos salve muitas vezes da morte mais imediata, é feita com debates e seu caráter é provisório e aguarda por novas descobertas. A postura de palavra final tomada pelos autores Pasternak e Orsi sobre o que deve ser levado a sério ou não parece ir na contramão da própria essência da ciência.
Trago recortes do debate promovido pela Unicamp entre o professor da Unicamp Mário Eduardo Costa Pereira, psiquiatra e psicanalista e o coautor do livro Carlos Orsi. Neles podemos ver o não conhecimento dos autores sobre a transformação do conceito de Inconsciente dentro da obra de Freud e questões que situam o debate sobre ciência e algumas implicações éticas que norteiam esse campo do pensamento. https://youtu.be/eHmn2zcjyZc
Gustavo Florêncio Fernandes
Psicanalista, membro efetivo do TRIEP
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