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De um vazio barulhento

No final do mês de março e no começo do mês de abril, uma escola em Jarinu (SP) e outra no Recife, foram espaços de manifestações de angústia de diferentes tipos, envolvendo adolescentes. Na primeira, cerca de oito adolescentes se automutilaram depois que uma delas começou a se cortar com lâmina de apontador. Na outra, houve uma crise de angústia coletiva: quase trinta alunos passaram mal ao mesmo tempo, apresentando sintomas como falta de ar, crises de choro, tremores, sudorese, saturação baixa, taquicardia. Isso aconteceu depois que uma estudante passou mal e desmaiou, gerando um efeito dominó entre outros colegas.



Muitos especialistas se manifestaram sobre o ocorrido, tentando compreender o que teria gerado tais crises, chamando a atenção para o que estaria relacionado à saúde mental na pandemia e ao modo como as emoções, quando não elaboradas psiquicamente, podem encontrar no corpo o palco de uma expressão relativa a uma dor psíquica.


Quando nos referimos à adolescência, falamos de um período da vida cheio de especificidades. Muita coisa acontece ao adolescente nessa transição: há um luto a ser feito pela perda dos pais da infância (que agora já não se fazem mais tão necessários), pela perda de um corpo infantil (que agora se apresenta mais autônomo e cheio de novidades que lhe trazem notícias de sua sexualidade e das curiosidades que a envolvem), há uma perda do mundo infantil que o cercava (mas que ainda não é o mundo adulto que lhe será daqui a pouco “permitido”...).


Os espaços fora de casa começam a ser mais frequentados, tendo a seu lado não mais a família, mas amigos vindos de outras famílias. As comparações entre uma e outra se estabelecem, os pais começam a ser mais questionados, o desejo de pertencer a algo diferente se instala. Parece que o adolescente vive numa espécie de limbo, tentando lidar com todo este caldeirão de emoções e diferenciações que se apresentam nele e para ele.


Em meio a todas estas mudanças, os grupos aos quais o adolescente busca pertencimento, o ajudam neste processo duplo de identificação-identidade e nas trocas entre seus pares, mediando os trabalhos psíquicos de luto e promovendo novos vínculos e elaborações. Os grupos aos quais um adolescente pertence, aqueles com os quais ele se identifica, de alguma maneira comunicam suas formas de expressão, seus sofrimentos, interesses, questionamentos, trazendo-lhe identidade e possibilitando que ela se solidifique.


Quando nos deparamos com notícias como estas, retratando uma vivência coletiva de sofrimento entre adolescentes, podemos pensar o quanto isso deveria nos remeter a um pedido de ajuda. Quando algo extrapola o campo da palavra para comunicar e expressar um sofrimento e se manifesta numa forma de atuação coletiva, podemos pensar no quanto há aqui uma falha nos processos de simbolização, que poderiam/deveriam ser construídos coletivamente e que agora se mostram em declínio.


Se até um tempo atrás a adolescência era vivida, apesar de seus percalços, como um período de promessas para um futuro de mais e melhores perspectivas e possibilidades, atualmente o que escutamos de muitos adolescentes diz respeito à desesperança, ao tédio sem limites, à falta de sentido, a uma apatia que, em alguns casos, se apresenta avassaladora.



Estes modos de expressão de sofrimento têm sido cada vez mais comuns. E talvez ainda se tornem mais frequentes. O pedido de ajuda dos adolescentes para que sejam escutados naquilo que os angustia, tem vindo na forma destes episódios que, na última semana, ganharam espaço na mídia. Esse pedido nos diz de um eu que não tem conseguido conter a angústia e trabalhar com ela. E nestes casos, o excesso rompe as possibilidades de atribuição de sentido e provoca um curto-circuito entre o que é vivido-experienciado-pensado. E o sujeito fica submetido a este excesso, remetido ao desamparo, sentindo-se como que caindo num vazio.


Se pensarmos com alguns autores da psicanálise que aquilo que é traumático para um sujeito, o é em sua esfera de relação intersubjetiva, não há como querermos tirar o time de campo. Fazemos parte do jogo. Vamos escutar ou fazer ouvidos moucos?



Leila Veratti

Psicanalista, membro efetivo do TRIEP leilacsantos@hotmail.com

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