As duas palavras parecem não ter relação nenhuma, para além da composição em quatro letras e uma certa similaridade sonora... Mas ambos estão bastante intrincados. Luto, vem do latim luctus, que designa "dor, pesar, aflição, lamentar, sofrer". Luta, também tem sua origem no latim, lucta, e significa "luta, pugna, esforço". O luto não se refere apenas à perda de uma pessoa querida. Também inauguramos um processo de luto quando perdemos nossos referenciais, sejam eles nossa cidade/pátria, nosso trabalho, nosso corpo como o conhecemos e que passa por modificações, nossos vínculos mais variados e as perdas que eles implicam.

Neste período em que atravessamos uma pandemia, muitas perdas destes referenciais foram e estão sendo sentidos e vividos. E à medida e possibilidade de cada um, tentamos levar nossos processos de luto adiante, ressignificando nossas perdas e encontrando em nosso mundo interno, novos e outros lugares psíquicos para rearranjar estas vivências e sentidos.
No entanto, por causa desta mesma pandemia, muitos rituais de despedida têm sido impossibilitados, quando perdemos alguém. Os sentimentos e sensações que envolvem e, muitas vezes, dominam aquele que perdeu uma pessoa muito amada e querida, parecem não obedecer a essa série de restrições às quais nos vemos submetidos: a tristeza, a revolta, a incompreensão acerca do acontecido, as perguntas que se apresentam, a experiência de desamparo... tudo isso está presente em variadas intensidades.
Em seu texto Luto e Melancolia, Freud diz que "o luto é a reação à perda de uma pessoa amada." E que essa reação é superada com o tempo. Ao se apresentar uma grande perda, o sujeito começa seu processo de luto. E cada pessoa o representa a seu modo, procurando uma forma de expressar sua dor, seu pesar, sua aflição, seu lamento. Nessa expressão bastante peculiar a cada um, o processo de luto se transforma também em luta. É preciso que toda uma série de investimentos em lembranças, em situações vividas com aquele que não está mais presente, possam se apresentar ao psiquismo do indivíduo para que, abastecido destas memórias, ele possa, aos poucos, se desligar de tamanho pesar e sofrimento e transformar sua dor em outra coisa: saudade, lembrança, herança emocional, uma marca que diga respeito somente à sua relação com o ente querido, mas agora perdido. Tudo isso requer um trabalho psíquico, um "esforço", uma "luta", para que haja elaboração. A perda marca em nós uma falta. Muitas vezes, acreditamos que, com esta falta, nos perdemos também naquele que se foi.

Por um período, podemos acreditar que de nós também não restou muita coisa. Mas se passarmos por esta luta e este luto, de uma maneira a termos internalizadas nossas imagens, nossas vivências e experiências com aquele que partiu, podemos verificar o quanto dele ficou em nós. "A imagem preservada pelo amor, substitui o corpo que somos obrigados a nunca mais ver." (Diana Corso, psicanalista). Nunca mais! A marca indelével da falta. Falta para a qual cada sociedade, cada indivíduo, procura uma forma para lidar com ela. Talvez para não sucumbir à perda... Mas como ficarão os processos de luto das perdas deste momento em que não podemos nos despedir, segundo "as regras" dos rituais que criamos para isso? Como poderemos velar nossa dor e dar lugar efetivo à nossa perda? Imaginar ou vivenciar esta impossibilidade nos domina de angústia.
Ainda não temos uma representação social e coletiva onde ancorar esse não-sentido. O que implica pensar que nosso luto pode ser mais demorado, mais doloroso e, por vezes, ejetado de nosso psiquismo, requerendo, então, mais trabalho psíquico e maior esforço afetivo, tamanha dificuldade que temos em imaginar o inimaginável de um "nunca mais". Será necessária uma construção ainda por vir, que nos lança de volta ao vazio do não-saber. Até lá, nos alentamos, provisoriamente, com as palavras da psicanalista Radmila Zygouris: "Até já!" Aí tudo recomeça! E a separação é esta dor que é a vida, que se imagina, se representa e se sonha."

Leila Veratti
Psicanalista, membro do TRIEP
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