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Good vibes only?

Muitas vezes é colocada como indiscutível a importância de que tenhamos certos cuidados com nossa saúde física e emocional. O que não nos impede de pensar a maneira como a pós-modernidade se ocupa disso, engatando em sua engrenagem sujeitos cada vez mais desejosos de assepsia e transformando o discurso de autocuidado em mais um imperativo de consumo.



Cortar calorias, açúcares, gorduras, glúten, lactose, excesso de peso, gente chata, pensamento negativo, bora meditar, praticar yoga, fazer skincare, ficar em dia com a atividade física... tudo veio para dentro do mesmo saco. Não que sejam farinha do mesmo saco. Mas esse pacote virou um verdadeiro “balaio de gatos”.


Expressão antiguinha, ouvia de alguns familiares sem entender muito bem, na época em que eu era criança, o que isso significava. E talvez hoje, com os felinos “em alta”, fofos e engraçados postados nas redes sociais, o sentido original da expressão também tenha se perdido. De repente há quem queira um balaio de gatos sem saber que o que ele designa é um espaço cheio de bagunça e encrenca... E é algo parecido com isso o que se instala com esse desejo de assepsia de corpos e mentes.


Compramos pacotes de saúde sem observar o engano que vem dentro. Parecem um balaio de gatos cheio de beleza, leveza, good vibes only. Mas ao preço de anularmos, ilusoriamente, aquilo que de não muito bonito, leve e glamouroso nos permeia e constitui: somos, também, um balaio de brigas internas, confusões e desordens!


Dobrando a esquina ou na postagem seguinte, encontramos dicas e imposições motivacionais na expressão “Seja a melhor versão de si mesmo!” Mas o que isso determina? Talvez a proximidade de uma versão subjetiva um pouco mais implicada no “melhor de si mesmo” seja exatamente a de poder nos aproximar da possibilidade de lidar com esse horror que é, muitas vezes, saber-se dinâmico, cheio de conflitos, com a vida composta em oscilações, perdas, impotências, fragilidades, possibilidades amarradas a limites, um certo desconforto contínuo em existir e ainda assim, apostar. De repente, nossa melhor versão esteja em podermos dar lugar ao pior de nós mesmos.


Mas ao invés disso, o que escutamos gritado em excesso aos quatro cantos, piscando em luz neon, é do quanto precisamos nos livrar de tudo isso. Como se tudo no mundo fosse tóxico e abusivo (“exceto você, alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado!”) e nada tivéssemos, então, que nos implicar nesse imbróglio.


Afastar algo para bem longe, como quem cospe “um mundo que não lhe pertence”, é um dos mecanismos mais primitivos que constitui nosso psiquismo. Nesse processo inaugural, o eu “coloca para dentro de si” tudo o que percebe como “bom” e se identifica com isso. Em contrapartida, ejeta para longe, na realidade, aquilo que interpreta como “mau e estranho” a si. Neste movimento psíquico inicial, há uma primeira tentativa de diferenciação eu-mundo externo.


Pra nossa sorte, o psiquismo avança, o eu expande. E a capacidade de pensar, de mediar a realidade através dos pensamentos e das palavras, de tolerar a frustração e adiar a satisfação, se apresentam como possibilidades de livrar o eu de um estado alucinatório, puramente cindido entre ele e a realidade, mediando as fronteiras psíquicas entre dentro-fora, interno-externo, criando o espaço-entre. Nesse espaço-entre, o outro passa a ser percebido em sua alteridade, a realidade é percebida em sua complexidade, para além do qualitativo “desagradável, ruim, tóxica” e o próprio sujeito pode se perceber também em suas cisões.



Parece mais fácil quando não há questões, mas isso ocorre ao custo de um empobrecimento do eu, que afeta suas relações, sua capacidade de criação e de pensamento, bem como sua capacidade de organizar suas experiências e modificar a realidade. Nas palavras do psicanalista Contardo Calligaris, “a filosofia do contente é uma armadilha do consumo. A existência humana tem amplitude, que inclui medos, perdas, dores”.


É humana a necessidade de afastar aquilo que nos traz sofrimento e a tentativa de aplacar a dor de existir, é uma primeira defesa, que pode ser seguida de pensamento, implicação e possibilidade de elaboração. Mas esta é uma outra vibe!



Leila Veratti

Psicanalista, membro efetivo do TRIEP leilacsantos@hotmail.com


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