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Da prótese ao ciborgue, uma visão aquém do alcance

Atualizado: 6 de abr. de 2021

Meu ópio

É minha miopia

Tiro os óculos

E já não sei

Se você

mia ou pia


Quebrei a haste dos meus óculos esses dias, nada de mais, porém isso me fez lembrar a nossa relação com a tecnologia. Provável que a seleção natural se encarregasse de um míope em alto grau que correndo, “pela vida”, batesse a cabeça com força em uma árvore e fim.



Tecnicamente óculos são órteses, mas meus pensamentos me levaram às notícias a respeito das próteses de alta tecnologia e a experiência já não tão ficcional do ciborgue. Considerando que o incidente foi relacionado à visão, tomemo-la como exemplo. Imaginemos que em breve a visão não será tratada apenas para restaurar o bom funcionamento natural, que teremos opções à venda para implantar um super zoom em nosso organismo e não será mais preciso lunetas ou celulares para ver as crateras da lua. Mas não passemos distraídos pela palavra “natural”, uma vez que a uso para fazer uma questão. Por que chamamos de visão natural? Por conta do funcionamento orgânico supostamente correto? A minha vê tudo fora de foco, naturalmente. Costumes, depois de séculos, por exemplo, podem ser tratados com naturalidade e levar alguém a construir a frase: usar roupas é natural para os humanos.


Naturalizamos nossa visão no sentido daquilo a que nos acostumamos: situações e maneiras como as que vivemos em família, em nossa cultura, em nosso tempo. Subjetivamos o que nos rodeia e isso está intimamente relacionado à tecnologia também. E mesmo ela oferecendo objetividade, a experiencia de cada um leva à caminhos singulares. Como consequência, a relação com alguém “de fora” costuma ser reveladora e fundamental. Ficamos sempre muito animados e cheios de histórias para contar quando viajamos, não sei se ainda se usa dizer, “para fora”.


Nosso país é imenso e nele os costumes são muitos. Podemos considerar, por exemplo, a variedade de costumes existentes nos diversos povos indígenas brasileiros, que nesse momento sofrem bastante com a pandemia, como todos nós. Esse diferente, esse que usa de outras tecnologias, que recorta o mundo de outra forma e que vê as florestas com outros olhos, seria o natural? O “natural” às vezes é usado com o sentido do caminho correto, certo e bom a se fazer, a melhor opção. Outras vezes, como sinal de algo ultrapassado, sem o incremento da tecnologia. Ou ainda, como força de argumento para os mais conservadores.



Não sabemos o melhor caminho a seguir, mas é provável que os ciborgues, seres humanos incrementados de alta tecnologia, sejam algo “natural” entre nós e que quando assim o for, que ainda exista algum obsoleto gesto como o de limpar os óculos que possa nos fazer míopes de novo. Tem até quem feche os olhos nessa hora para não ter que se lembrar das limitações, ficando no escuro. Sem ver nada em foco ou cegos por um momento, somos forçados a olhar para dentro e nos lembrarmos de que nem toda tecnologia do mundo é capaz de iluminar os recônditos da nossa existência.


Você pode também escutar o conteúdo do texto.

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Gustavo Florêncio Fernandes

Psicanalista, membro do TRIEP

# psicanalisejundiai


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