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Violência contra a mulher

Desde agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) coloca em evidência temas relativos à violência contra a mulher, formas de protegê-la e meios de punição ao agressor. Em 2023 a Lei completa 17 anos e ainda precisa ser lembrada e debatida. Em eco a esta lei, desde o ano passado o mês de agosto foi instituído pelo Congresso como o mês de conscientização da sociedade sobre a necessidade de enfrentamento às diversas formas de violência contra as mulheres: o Agosto Lilás (Lei 14.448/2022).



As formas de violências contra a mulher são diversas e ocupam todas as classes sociais. Como ilustrativo destes cenários de agressão, lembrei de um filme argentino, “Crimes de família” (disponível na Netflix) que, além de outras temáticas, coloca na frente da cena três mulheres, três enredos entrelaçados e a maneira como cada uma se apresenta frente ao choque violento e por ele é afetada (a partir daqui, contém spoiler).


Alícia (Cecília Roth) se vê no centro de dois crimes envolvendo sua família. De um lado Daniel (Benjamin Amadeo), seu filho, é acusado de estupro e tentativa de homicídio por sua ex-mulher, Marcela (Sofia Gala). De outro, Gladys (Yanina Ávila), a empregada da família, é acusada de infanticídio.


Acompanhamos dois julgamentos e as diferenças entre eles, a depender de quem é o acusado e quem é a vítima, e dos lugares sociais de cada um.


Interessante e inquietante ver Marcela no tribunal e observarmos o quanto se repete nos meios jurídicos, policiais e em setores de primeiro atendimento à vítima, a desqualificação de seu discurso e a dúvida que se apresenta antes mesmo que seu relato termine, o quanto a vítima muitas vezes é colocada no lugar de não poder falar ou de ter sua palavra esvaziada de sentido e efeito.


Faz pensar no que Ferenczi nomeou como "desmentido" e seu efeito de retraumatização. A instância buscada pelos sujeitos para legitimar o crime de que sofreram e fazer cumprir as consequências desta ação ao agressor, é a mesma que, muitas vezes, invalida ou distorce a situação de violência, culpabilizando quem sofreu a agressão.


Outro aspecto interessante do filme diz respeito ao infanticídio. Na contramão do aumento no número de casos, está o silêncio que se faz a respeito, parecendo pouco importar suas causas (sejam elas psíquicas ou de outra ordem) e suas consequências para o indivíduo e a sociedade. Gladys representa bem a dificuldade em abordar e tratar o tema, que tende a ser considerado apenas em seus aspectos isolados ou lineares, deixando de lado sua complexidade e desdobramentos. A psicóloga que a acompanha tenta deixar claro ao promotor a complexidade do assunto. Mas sem muito sucesso.


Com Alícia, acompanhamos a determinação de uma mãe disposta a fazer de tudo para provar a inocência de seu filho. Até onde ela é capaz de chegar? Esta personagem se modifica ao longo da trama, passando a questionar suas atitudes extremadas e se reposicionando frente à repetição das ações do filho, ao mesmo tempo em que se apropria e faz valer as novas informações em torno do caso de Gladys.



No entrelace destas relações, o filme aborda temas que são objeto de representação e preocupação coletiva (violência contra a mulher, mulheres capazes de atos violentos, corrupção, estupro, uso de drogas, manipulação), e ganha destaque na construção que cada personagem faz para encontrar saídas para as situações de violência e crimes das quais foram autoras ou vítimas.


Se num primeiro momento elas ficam "sem palavras", terminam por encontrar outros desfechos e possibilidades. Marcela, Gladys e Alicia sugerem a saída de um lugar vitimado e, de alguma forma, assujeitado, deslocando-se para a possibilidade de falarem em nome próprio, assumindo para si as consequências de tal apropriação. E demonstrando em seu percurso, toda sua humanidade, agora desvelada, e com tudo o que isso comporta.




Leila Veratti

Psicanalista, membro efetivo do TRIEP leilacsantos@hotmail.com

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