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Listas de fim de ano e os sonhos

Atualizado: 22 de dez. de 2022

Em 1899, Freud tinha terminado de escrever “A Interpretação dos Sonhos”, livro este que ele considerava uma de suas principais obras. Por questões estratégicas editoriais, seu lançamento é adiado para 1900. Um de seus anseios era que a obra fosse recebida com o mesmo impacto que teve a “Origem das espécies”, em 1859, de Charles Darwin.



O sonho, em seu aspecto enigmático, surreal, com imagens surpreendentes, muitas vezes foram tomados como mensagem de outro mundo, podendo ser considerada premonitória e suas características sempre causaram, e ainda causam, grande curiosidade.


Um dos aspetos fundamentais da teoria freudiana sobre os sonhos é que eles são um tipo de pensamento com características próprias, sendo a principal delas tratar-se de uma escrita por imagens, que expressam um pensamento. Para ser possível produzir um significado a partir dessas imagens, o próprio sonhador teria que investigá-las, associando pensamentos que o levassem a se apropriar do significado de seu próprio sonho. É preciso investigá-lo com a curiosidade de quem pesquisa, como e por quê ele se formou e se apresentou de determinada maneira.

A técnica freudiana para interpretar os sonhos parte desse enigma onírico que com as associações do sonhador irá substituindo as imagens por sílabas e/ou palavras, revelando um sentido oculto. ­­­­­­­­­­­­­­­­­­


Como exemplo, trago um pequeno fragmento de minha análise: meu sonho continha vários elementos e acontecimentos, desses que parecem longos ao acordarmos. Entre os elementos, um cartão SD usado em máquinas fotográficas. Ao relatar o sonho em análise, pronunciar em voz alta “cartão SD” permitiu-me escutar cartão “excedê”, de exceder. As associações levam por caminhos que não eram imediatos ao recordar o sonho, não se apresentavam “às claras” as ideias de cartão de crédito, dívidas, momentos da história financeira familiar, etc. Foi a partir desse cartão (de memória?) que se produziu um significado singular que jamais poderia estar em um manual prévio, sendo imprescindíveis as associações do sonhador.


O que se tinha até a descoberta freudiana eram interpretações que partiam de manuais prontos com significados pré-estabelecidos ou intérpretes que a partir do relato do sonho, o relacionavam à uma história que buscaria um sentido que previa o futuro, instruções de conduta e tomada de decisões.


Algo dessa experiência talvez nos sirva para o momento em que as festas de fim de ano e as muitas listas que surgem sobre mudanças futuras. Por vezes repetindo promessas não cumpridas, itens a serem conquistados para o ano que irá se iniciar. A partir desses elementos listados, a lista de ano novo de cada um, podemos buscar o que dizem sobre nós, associando ideias, como fazemos com os elementos dos sonhos. Ao pensarmos sobre nossa história os itens isolados passam a exprimir melhor o que significam para nós. É possível que com isso eles se transformem, alguns esquecidos voltem ao seu valor e outros percam sua importância.



Em quase 700 páginas de “A interpretação dos sonhos”, vemos Freud elaborando sua pesquisa e construindo um modelo de aparelho psíquico e apresentação formal do inconsciente que pudesse explicar não mais de forma mística, metafisica o que acontece quando sonhamos. A primeira edição de A interpretação dos sonhos não teve o mesmo impacto que a obra de Darwin, mas toda construção da ciência da psicanálise e a escuta clínica continuam em intenso diálogo com esse texto fundamental para qualquer um que queira estudar a psicanálise ou dialogar com ela.



Gustavo Florêncio Fernandes

Psicanalista, membro do TRIEP


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