Vou propor um exercício de raciocínio a partir de um fato corriqueiro que possivelmente já aconteceu com cada um de nós. Trata-se de quando outras pessoas (ou nós mesmos) param o carro de tal modo a travar a saída de certos veículos que estavam estacionados corretamente, mas ofendem-se quando são chamados a atenção para sua infração. É como se pensassem “não vê que precisei parar só por um minuto?!”, indicando a justificativa para a atitude tomada: seja por tempo, dificuldade de estacionamento etc. Mostram-se, em última instância, indignados por terem sido apontados para o seu próprio erro.
Este é somente um exemplo de situações nas quais o que está em questão é a inversão de quem está certo e de quem está errado: no caso, quem para o carro julga-se mal compreendido por quem lhe aponta o erro, como se pudesse reivindicar um lugar de exceção onde todos deveriam seguir as regras. Dessa forma, é como se o infrator se tornasse a pessoa correta da situação e o outro, que lhe chama a atenção, o errado.
O importante nesse caso não é tanto a infração em si, mas a resposta em tom de ofensa dada pelo infrator, como se fosse o outro que devesse aguardar “um pouquinho” e não ele próprio que tivesse de sair com o seu carro do local proibido.
É importante notar a diferença entre cometer algo errado tendo a consciência da falta cometida e, com isso, assumir a atitude equivocada, do que simplesmente inverter a situação ao se colocar como vítima da própria falha, como se o errado fosse o outro, aquele que aponta para quem está “fora da regra”, sendo justamente aí que reside a ofensa.
Por que nos sentimos ofendidos pela indicação feita pelo outro sobre o nosso erro? Por que não nos responsabilizamos pelo nosso ato equivocado? Ao invés disso, podemos dar várias justificativas, como por exemplo, “não vê que eu estou sem tempo?” ou então “não há outro lugar para estacionar”, e assim por diante, indicando que nós somos especiais e não podemos, por uma série de intercorrências cotidianas comuns a todos os outros mortais, nos colocarmos como mais um dentre os demais. Porque se não há lugar para estacionar neste ponto que eu desejo, por que eu poderia dar um jeitinho e, ainda por cima, impor ao outro uma compreensão pela minha situação em particular? E sobretudo, por que não gosto de ser informado daquilo que eu estou errado?
O desgosto parece se dar em um ponto específico: o outro me confirma que eu não tenho nada de especial que me faz destacar do restante da multidão, ao contrário do que eu gostaria de crer. Querendo ser uma exceção à regra, coloco-me a acreditar ocupar um lugar especial. E quem não quer?
Mesmo errado, eu estou certo! Em quê? Certo em ocupar um lugar de destaque onde a regra não se aplica a mim, somente aos outros. Doce ilusão!
Fabiana Sampaio Pellicciari psicanalista membro efetivo do TRIEP fabiana.pellicciari@gmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #fabianapellicciari #estoucerto
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