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Na roda do tempo - dia do idoso

“Eros é o mais belo, e apresso-me a dizer por qual motivo: antes de mais nada, por ser o mais jovem dos deuses e dessa qualidade ele próprio se encarrega de ministrar-nos uma prova evidente:  é a de que fugindo, evita ser alcançado pela velhice, que inegavelmente é em si mesma rápida, como se depreende do fato de vir a nós mais depressa do que deveria. Eros não suporta sua vizinhança...” (Discurso de Agatão, em “O Banquete” – Platão).



Recorrer à filosofia, à literatura, às grandes artes e obras, sempre nos ajuda a estabelecer elos com nossos pensamentos, questionamentos e reflexões. Nos aproxima do demasiadamente humano, que muitas vezes insistimos em não querer saber, nem ver, nem tocar, mas que aí está.


A velhice é um destes temas que, por vezes, insistimos em colocar à distância. Tal como Eros, em geral, não suportamos sua vizinhança, seja quando a verificamos muito perto de nós, seja quando, infalivelmente, a detectamos em nós mesmos.


Freud exemplifica uma passagem a respeito da dificuldade que temos em reconhecer, em nossa própria imagem, essa estranha passagem e marca do tempo.  Trata-se de um episódio do qual ele mesmo foi o protagonista, por volta de seus sessenta e três anos de idade:


“Posso contar uma aventura semelhante que aconteceu comigo. Estava eu sentado sozinho no meu compartimento do carro-leito quando, devido a um violento solavanco do trem, a porta do toalete anexo se abriu e um homem de uma certa idade, de roupão e boné de viagem, entrou em minha cabine. Imaginei que ao sair do toalete, ele tivesse tomado a direção errada e entrado, por engano, no meu compartimento. Levantando-me com a intenção de fazer-lhe ver o equívoco, compreendi, completamente perplexo, que o intruso nada mais era do que minha própria imagem refletida no espelho da porta aberta. Recordo-me ainda que esta aparição me desagradou profundamente” (Freud, 1919).


Freud sempre foi um colaborador de sua própria teoria e, em vários momentos, nos forneceu exemplos de sua própria vida para ilustrar sua discussão, sua pesquisa e comprovar sua ciência. Com este exemplo, ele nos mostra o quanto em nossos desejos e fantasias, “o velho é o outro”.


A velhice e o envelhecimento estão sempre “fora” de nós, é no outro que imprimimos uma imagem desgastada, um corpo em falência, as manifestações de dificuldades, a perda da beleza e do vigor, a perda da saúde... Seria este o nosso desejo e é penoso quando constatamos que muitas destas limitações também começam a fazer parte de nossa própria vida, ora sendo experimentadas em nosso corpo e psiquismo, ora vividas em nossas relações mais próximas...


A dificuldade em lidar com estas questões e com o quanto elas nos aproximam da morte, também faz com que deixemos de ser solidários com aqueles que, avançados em sua vivência no tempo, requerem uma atenção específica. A criança é a promessa de um “futuro melhor”; o adulto jovem é a possibilidade de que este futuro se concretize “agora”. E o idoso, que olhar temos para ele? Qual é o lugar que ele ocupa em nossas relações?



Com o aumento da expectativa de vida, fala-se muito em qualidade de vida para aqueles que alcançarem tal expectativa. Muito disso fica voltado para a saúde do corpo e os possíveis afazeres que um idoso pode manter ou rever. Mas como encaminhar a saúde das relações?


Para que possamos pensa-las, talvez precisemos “fazer as pazes” com o velho ranzinza que há em cada um de nós e do qual não tomamos (ou não queremos tomar) conhecimento. Para o psiquismo, talvez não haja uma “idade que chega”, para ele não há aposentadoria. “Ele é permanentemente solicitado, como guardião da vida, condenado a transformar pensamentos, a atribuir sentido ao corpo, aos objetos, à realidade. Condenado a investir para não desistir.” (R. Volich). Assim, aos oito ou aos oitenta “a vida só é possível reinventada!” (Cecília Meireles).


Leila Veratti

Psicanalista, membro do TRIEP.


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