Se pararmos para refletir, é assustadora a constatação do quão desamparado é o bebê humano. Ao que tudo indica o mais desamparado de todos. Devido a esse incontornável fato temos que ser cuidado por um outro que em geral, mas não regra, é a mãe, caso contrário não sobrevivemos.
Esse que cuida irá nos transmitindo o mundo: olha, fala, alimenta... como que regando aquele que aos poucos irá se apropriando de si, vai se dando conta de si. Mas dar-se conta de si é atravessado justo por um olhar, um olhar que se vê na posição que o outro nos viu. Diria Freud, “sua majestade o bebê”, claro que nem sempre esse olhar vindo do outro nos coloca em posição tão nobre.
Fato é que carregamos essa inscrição para sempre, tanto a desse desamparo como desse olhar, e com isso nos debatemos frente a vida que se encarrega de mostrar que nem tudo e nem todos estão de acordo com esse “lugar” tão particular, por vezes tão especial que fomos investidos.
Alguém, que não como majestade, tenha sido colocado na posição da desgraça da vida do outro, pode vir a não suportar estar no lugar de ser a alegria de alguém no futuro. Pode ser....
Mas o que podemos perceber com essa constatação é aquilo que na psicanálise tem o nome de narcisismo. Esse olhar que constitui o Eu, essa maneira como eu me vejo que surgiu no reflexo daquilo que o outro via em mim.
E seguimos vida a fora a tentar ajeitar o mundo, através de nossas fantasias, para que nos sintamos olhados nessa posição fundadora. Uns se debatem mais outros menos com a constatação dessa impossibilidade lógica, afinal o simples passar do tempo se encarrega de avassaladoras transformações.
Nesse momento em que o mundo se desarranja naquilo que visitávamos diariamente e chamávamos de rotina, os abalos desse ponto de vista são sentidos, já que a maneira como nos olhávamos nesse cotidiano deixa de existir.
A falta que faz aquela passadinha no mercado, a ida ao salão, a ilusão de liberdade, poder desviar o caminho e tomar um chopp antes de voltar para casa, pegar o elevador sem que o passageiro anterior possa vir a ser nosso algoz.
Nos percebíamos nessas situações, com uma pequena parcela de liberdade a qual costuma tentar arranjar esse ponto de vista para que fossemos bem vistos, para ocuparmos a boa posição para esse olhar criador daquilo que chamamos Eu.
Seria um equívoco imaginar que o homem é sempre esse ser moderno, urbano e que frequenta as redes sociais diariamente, olhando e sendo olhado, mas fato é que muitos de nós teve o cotidiano das redes sociais incrementado nesse momento de quarentena.
Com isso estamos lidando com algo intenso em nós. Com esse melhor ângulo que queremos ser vistos. E não se trata apenas do ângulo da foto, mas tudo que ela transmite, o que estamos fazendo, como é nosso dia, nossa casa, se tem “treino”, se tem livros, se tem arte, culinária, se tem tudo!
Um bom momento para nos assustarmos com a distância que separa a tela do olho e abrirmos para o espaço desse olhar metáfora de nós mesmos, isso que significa alguma outra coisa que o exposto nas telinhas e guarda apenas alguma semelhança conosco.
Gustavo Florêncio Fernandes
Psicanalista, membro do TRIEP
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