Já ouvimos (e pensamos) tantas vezes a seguinte frase: “está tão bom que algo ruim está prestes a acontecer”. Esta “premonição” de uma desgraça iminente é fruto de uma crença na qual acreditamos que não podemos “chegar lá”, seja aonde for que projetamos a nossa felicidade.
De onde vem tal ideia?
Freud escreveu um texto muito interessante a esse respeito, intitulado “Um distúrbio de memória na Acrópole”, de 1936, endereçado à Romain Rolland. Relata um fenômeno ocorrido com ele em 1904, quando visitara a Acrópole, lugar este que tanto desejara, quando foi pego pelo seguinte pensamento: “Então, tudo isso realmente existe mesmo, tal como aprendemos no colégio!”. Tal dúvida quanto sua presença em Acrópole, apesar de poder vê-la, foi motivo para sua investigação sobre as origens deste seu sentimento de estranhamento com relação à própria realidade.
Freud ligou este fato ocorrido com o seu passado, remontando ao fato de que, um dia, já duvidara tanto que conheceria a Acrópole como, também, da própria existência da Acrópole. Deslocou, assim, esses pensamentos do passado para o fenômeno que estava ocorrendo no presente diante da Acrópole. Lembra-se, também, de sua origem humilde e das impossibilidades que já tivera em sua infância de viajar para terras distantes, apesar de desejar “ir tão longe”, além das suas insatisfações com sua casa quando morava com seus pais. Ou seja, o que anteriormente era inatingível, passa a ser realizado.
Freud chega a uma terra distante, tão desejada nos seus tempos de infância, coisa que seu pai jamais alcançara. Conclui que tal êxito pode estar acompanhado com um sentimento de proibição de ir além do pai, por justamente ter realizado mais do que seu pai realizara, como se não fosse permitido ultrapassá-lo. Tal feito pode ser acompanhado de um sentimento de culpa vinculado à satisfação em tal realização.
Tais considerações freudianas nos fazem pensar como entramos em um impasse: por um lado, uma busca se consuma em sua realização; por outro, tal feito parece não poder, enfim, consumar-se. Afinal, tal chegada a uma determinada conquista é acompanhada da sua contrapartida: a verificação que o pai (ou uma mãe, a depender de quem ocupe essas função de orientar nosso destino para que nunca nada nos falte) não é tão grande e tão forte como imaginávamos. Quando tentamos nos manter sempre menores do que ele (ela), evitamos a constatação de sua fragilidade e de sua impotência.
Insistir em uma posição infantil, independente da nossa idade cronológica, é pedir que as garantias se mantenham, para não nos darmos conta de nossas impossibilidades, seja lá quais forem. Manter um pai (mãe) forte e imbatível, é sustentar um lugar ideal onde nunca nada irá atingi-lo (la).
Podemos constatar, muitas vezes, que são os próprios pais que não cedem de seu lugar idealizado, como se precisassem manter seus filhos sempre próximos, sem poder passar o bastão para que eles sigam além do que eles mesmos, os pais, imaginavam ou gostariam.
Ir além dessa figura parental supostamente onipotente é, afinal, dar um passo a mais: é responsabilizar-se pelo que virá sem a necessidade de convocar o pai (mãe) a ter que responder pelos nossos atos, mesmo diante da resistência dos pais em ceder de seu lugar. É pagar o preço pela nossa decisão, mesmo que seja custosa. É não ficar seduzido a voltar à posição infantil de recorrer ao pai (mãe) e, assim, colocá-lo (la) de volta a uma posição idealizada de força e de garantia pelo nosso destino.
Fabiana Sampaio Pellicciari
psicanalista membro efetivo do TRIEP
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