Nesta época contemporânea que vivemos, marcada pela perda dos referenciais conhecidos até então, podemos nos sentir jogados em um mundo que se abre às várias possibilidades. Ao contrário de uma sensação de liberdade, esta atual situação pode nos causar desnorteamento, tendo por consequência o apego a discursos que promovem certezas inquestionáveis.
Todo tipo de perda (ou de separação) nos coloca várias perguntas: quem sou eu? O que eu gosto? O que eu quero para o meu futuro? Perguntas que só podem aparecer quando da ausência de pessoas ou de ideais que preenchiam, até então, um determinado lugar junto a nós. Em alguns casos, tais questionamentos podem gerar uma dor incomensurável pela presença maciça de um vazio causado pela saída de cena de nossas velhas certezas. O problema se agrava quando sentimos uma espécie de deserto de nós mesmos, perdendo o sentido da nossa própria existência podendo nos custar a própria vida como tentativa de nos salvar diante da presença esmagadora deste abismo que se abre. Como fazer a vida ter sentido se não há um espaço onde possamos nos reconhecer?
Uma saída a todos estes questionamentos pode partir de uma tentativa de salvaguardar a própria identidade. Vemos a volta de ideias que pareciam já ultrapassadas, assim como o nascimento de tantas outras formas de pensar o mundo nem sempre tolerantes com a diferença. A separação em guetos que supostamente sabem exatamente o que querem mostram a necessidade que muitos têm de falar de si mesmos a partir de uma identidade bem definida.
Em uma sociedade pautada no consumo, podemos seguir a lógica do ter: ter uma identidade, ter uma família, ter certezas, etc. Construímos, desta maneira, uma sequência de posses em que tudo deve estar no seu devido lugar. Desta maneira, a razão encontrada para dar sentido ao presente se liga a um futuro no qual se sabe de antemão o que virá: nada pode sair do roteiro preestabelecido. Percebemos como esta saída é falha, porque não consegue encobrir o que é inerente a toda existência humana: o nosso desamparo.
Perdemos a graça de jogar com o desconhecido? Podemos pensar que o conhecimento do mundo daria o suporte para todas as nossas angústias, o que é exatamente o contrário. Todo processo de conhecimento implica, necessariamente, em pontos de enigma que não podem ser apagados. Por que nos sentimos perdidos neste lugar de desconhecimento?
As tantas tentativas de acabar com a própria vida, com ou sem êxito em seu intento, mostram como é preciso saber ouvir e dar lugar a quem não consegue falar de outra forma senão desta maneira radical. Sair de cena é uma tentativa de salvar o mínimo de si mesmo em uma sociedade pautada em ideais inatingíveis e esmagadores de qualquer possibilidade de expressão da diferença, tentando dar às costas àqueles que querem se perguntar sobre a vida, sobre a existência.
Por isso é necessário encontrar bons interlocutores para dar lugar às perguntas, porque elas nos situam em uma outra cena possível, aquela que dá lugar ao diferente em nós mesmos, o que parece ser tão difícil de suportar. Porque as certezas nos cristalizam a termos que responder sempre do mesmo jeito o que nos enrijece, nos impossibilitando outros posicionamentos que nos interroguem e não apenas respondam de acordo a certos princípios ou parâmetros já existentes.
É preciso voltar a pergunta para quais ideais estamos sustentando ao preço de termos uma vida medíocre, com pouca ou nenhuma expressão de nós mesmos. É preciso pôr à prova as velhas imagens com as quais nos identificamos e nos abrir às próximas perguntas, sem termos tanto medo do efeito que elas nos causam.
Fabiana S. Pellicciari
Psicanalista, membro do TRIEP.
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