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O que quer uma mulher?

Esta foi uma pergunta crucial para o surgimento da psicanálise, pois guiou Freud nas suas investigações com suas pacientes histéricas. “Deixe-me falar!”, era o que lhe pediam, e ele lhes deu a palavra para que pudessem contar muito além dos sintomas que apresentavam, mostrando como as mais variadas dores que sentiam e que se manifestavam em seus corpos ligavam-se a uma história pessoal cheia de detalhes que remetiam às fantasias inconscientes que são, necessariamente, de natureza sexual.

Se Freud não tivesse se perguntado o que querem essas mulheres não seria possível pensar muito além de um corpo físico, um corpo de sintomas. Percebeu que, aquilo que as mulheres querem, se encontra muito além daquilo que elas pedem em uma análise. Não se trata simplesmente de sanar uma dor de cabeça, por exemplo, mas de ouvir o que essa dor de cabeça representa; que relações pessoais estão sendo expressas neste acometimento que, no final das contas, diz de outras dores da existência e de outros desejos que não podem ser expressos e reconhecidos como tais. É preciso dar voz e dar outras formas de expressão para aquilo que se manifesta de maneira restrita a um sintoma.


O que quer uma mulher, então? Esta pergunta é rica em sua própria interrogação, já que a resposta sobre A mulher segue como um enigma. Alguém sabe o que é uma mulher? Há uma reposta sobre o seu desejo? Algumas realizações que aspiramos são possíveis de serem postas em prática na nossa vida cotidiana, há certas satisfações momentâneas que podemos retirar em nossas ações, o que é muito bom e necessário. Mas, também é preciso que possamos seguir além, o que só pode ocorrer quando nos colocamos como sujeitos desejantes daquilo que nos agita e nos coloca a pesquisar sobre outras coisas daquelas já realizadas.


Assim, desta pergunta inicial de Freud sobre o que quer a mulher, a psicanálise pode teorizar sobre o desejo humano, que não é só das mulheres. Este desejo que não tem parada e que se sustenta no enigma, este mesmo que nos guia em nossas buscas.

Hoje em dia temos várias expressões da feminilidade. Avançamos nas discussões acerca das identidades de gênero, das orientações sexuais e a psicanálise segue com as mudanças culturais de sua época, mas conserva esta descoberta essencial que Freud fez sobre o desejo humano que partiu deste lugar privilegiado que ele deu às mulheres que se deitaram em seu divã. Porém, é preciso dizer mais. Como este movimento desejante, a psicanálise se reinventa, se coloca à prova, se refaz.


A questão da identidade feminina sempre foi questionada e pode assumir as mais variadas formas do que acreditamos responder ao que é uma mulher. A resposta pode vir a partir do que compõe as nossas vestimentas, ou pelo nosso comportamento, ou pela forma que pensamos, ou pelas causas que lutamos, sejam elas quais forem. São posicionamentos que nós, mulheres, encontramos nos nossos embates com os padrões de nossa época.


É de suma importância as conquistas sobre a questão da feminilidade e dos nossos direitos das mulheres, que são de ordem identitária. Referenciar-se a um grupo e lutar por uma causa é essencial! Mas não apaga aquilo que foge a uma identidade fixa que venha tentar responder ao que é A mulher: o feminino surge como este algo inapreensível nesta tentativa em fazer unidade ao grupo das mulheres, como se fossem todas iguais.


Assim, falar sobre o feminino diz do encontro com esse enigma que nós carregamos e que nunca será suturado, jamais será representado. E este enigma estará sempre presente, independentemente da identidade de gênero com a qual nos referenciamos. É este ponto em nós mesmos que não nos remete uma resposta única sobre quem somos e que não nos retorna como uma certeza sobre nossa identidade.

Obviamente que este encontro com o feminino pode nos causar muita angústia principalmente quando achamos ser necessário ter um lugar de certeza e de saber antecipado sobre qualquer passo que devemos tomar na vida, como uma espécie de oráculo interno que possa nos dar respostas para todas as nossas questões, nos apresentando um chão firme por onde pisar.


Quanto menor o medo que possamos ter em relação ao feminino (em nós mesmos e nos outros), melhor a nossa relação em nos guiarmos pelos enigmas, e não pelas certezas.


Fabiana Sampaio Pellicciari

psicanalista membro do TRIEP

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