Hora aqui e outra ali, ouvimos o tic-tac do relógio à espreita, como se nos perguntasse, com certa insistência: como você tem aproveitado o seu tempo? Tic-tac! Está mesmo tendo sua máxima produtividade? Tic-tac! Quanto tempo você vai gastar com determinada atividade/tarefa? Tic-tac! Não acha que poderia ser mais rápido? Tic-tac! Ainda há tanto por fazer: não perca tempo! Tic-tac!
Nessa esfera de relação com o tempo, somos sempre engolidos por ele. Confundimos as demandas do relógio com aquilo que seria da ordem do dia e somamos a isso uma certa urgência social e coletiva de que precisamos entregar o melhor no menor tempo possível. Estamos quase sempre às voltas com as demandas de “faça!”, “seja produtivo!”, “não deixe pra depois o que você pode fazer agora!”, “produza enquanto eles dormem!”, e por ai vai... A pressa parece se antecipar à nossa existência. Tudo é feito como se precisássemos, a todo tempo, ganhar tempo!
Engolidos e acelerados por um tipo de realidade à qual damos aval, perdemos de vista a ideia de que, para que haja elaboração de experiências de vida, para que possamos nos apropriar de nossa existência e daquilo que é pertinente a ela, precisamos de tempo. E quando falamos nele, há sempre algo muito relativo que se impõe. Isso porque a relação que cada um de nós estabelece com o tempo não é definida apenas por sua contagem sistemática de passagem das horas ou de qualquer outro tipo de medida de tempo que uma cultura ou sociedade estabeleça.
Para além de uma forma de medir e controlar o tempo, cada um de nós tem para com ele uma experiência subjetiva, que pode se apresentar com afetos carregados de nostalgia e esperança, ou por afetos carregados de angústia, tédio, melancolia, medo... Vivenciamos o tempo através de nossas histórias, memórias, lembranças... Enquanto a primeira experiência de tempo diz respeito ao que os gregos chamavam de Chronos, a segunda é conhecida como Kairós. Enquanto uma é a forma de quantificar, a outra remete a qualificar nossas experiências no tempo.
A forma de cada um vivenciar o tempo dá indícios do modo como lidamos com a finitude, com a transitoriedade, e também com nossas potências e impossibilidades. Ao mesmo tempo em que é característico do tempo ser transitório, passageiro, fluído, um tempo que passa, é preciso que acrescentemos a ele uma outra característica para que o tornemos especificamente nosso. Para que isso aconteça, para que possamos reter o tempo, precisamos acrescentar a ele nossas lembranças, memórias, histórias, afetos, personagens...
São os acontecimentos de nossa vida no decorrer do tempo e de sua passagem que fazem e nos trazem as marcas do que passou, do que foi vivido e do modo como estes eventos foram experienciados por cada um de nós. Cada tempo em nós é um tempo subjetivo!
E é este tempo-subjetivo que interessa à psicanálise. O tempo que escapa à linearidade passado-presente-futuro, mas os coloca entrelaçados e permite ao sujeito, em seus relatos de lembranças, memórias e histórias, entretecer o presente com o passado, produzindo algo novo, que embora não mude o que já foi vivido e acontecido, possibilita que o sujeito se questione sobre si, sobre seus posicionamentos na vida e suas escolhas, podendo apostar em novos devires.
Apesar de nossa finitude e transitoriedade, apontada de forma persistente por Chronos, podemos investir num vir-a-ser. Se não podemos parar o relógio do tempo, podemos tecer as nossas histórias que caberão nele. Infinitas, enquanto estivermos no círculo do tempo, tecendo algo de que possamos nos apropriar para poder seguir, construindo-nos outros possíveis caminhos.
Com o retorno de nossas atividades, nós do TRIEP desejamos que cada um tenha em si o desejo de continuar seguindo, construindo para si novas possibilidades e, quem sabe, outros caminhos.
“O bom do caminho é haver volta. Para a ida sem vinda basta o tempo.” (Mia Couto)
Leila Veratti
Psicanalista, membro do Triep leilacsantos@hotmail.com
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