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Sobre as transidentidades: entre a pressa e a precocidade

O tema das transidentidades tem recebido cada vez mais espaços de discussão e tem sido cada vez mais acompanhado pelos psicanalistas ao verificarem, em seus consultórios, uma demanda maior no atendimento de crianças que apresentam questões mais expressivas, voltadas para algum aspecto de sua sexualidade, entre elas, o fenômeno da transidentidade.



A transidentidade diz respeito a uma espécie de dissonância, vivenciada pelo sujeito, entre seu sexo biológico e a maneira como ela expressa o gênero com o qual ela se identifica.


A busca por centros de saúde e ambulatórios que possam chancelar esta dissonância, transformando-a num diagnóstico que se coloca à frente dos sujeitos, parece ter começado cada vez mais cedo (links de matérias sobre o assunto, ao final do texto), atribuindo-se o fenômeno da transidentidade a uma vivência cada vez mais precoce.


Há histórias de crianças que, aos dois ou três anos de idade, já começam a “questionar” seus corpos, colocando-se em oposição ao que percebem deles, demonstrando sua “insatisfação com os mesmos” e, em alguns casos, agindo para modifica-los, tentando cortar o pênis com uma tesoura, por exemplo. Paralelo a isso, as crianças vivenciam episódios de intensa tristeza, desejo de se isolarem e medo de não serem aceitas por aqueles com quem se relacionam (pais, amigos, educadores...)

A angústia decorrente de uma experiência como esta, ou da fantasia (psíquica) destes pequenos, ou mesmo como resultante da relação da criança com seus pais, não é pouca coisa. O que não quer dizer que isso tenha que ser “tomado ao pé da letra” e já encaminhado para uma resolução. Talvez a pressa em estabelecer diagnósticos e o direcionamento “certeiro” do que fazer com isto ou aquilo, seja mais uma angústia experimentada pelos pais, uma resposta necessária a eles sobre o que está acontecendo com sua criança, do que, necessariamente, uma demanda da criança.


Isso porque o percurso que qualquer criança ou pré-adolescente faz na complexa construção de sua identidade sexual e subjetiva, é um processo longo, cheio de idas e vindas e experimentações, banhadas em sua história subjetiva, em seus desejos e fantasias, envolvida em muitos e diferentes processos psíquicos. E isso tudo requer tempo. E sem o tempo necessário às experimentações, vivências, questionamentos, fantasias, impasses... evitamos também o tempo de elaborações. Elaborações que colocam a criança (e cada um de nós), em seu percurso individual e subjetivo, frente aos encontros e desencontros com a própria sexualidade, as definições de identificação e de objeto de amor. O conflito e as angústias que isso pode despertar, por vezes coloca a criança perante um confronto com sua realidade anatômica. E a partir dela, toda uma diversidade de questões que irão se apresentar e fazer questionar os estereótipos pautados sobre o que socialmente é construído como ser menino x menina, homem x mulher, masculino x feminino, ativo x passivo.


Tudo o que nos define em funções e papéis em uma sociedade, estaria pautado em uma binaridade excludente, engessada, previsível, que não serve como fórmula para pensarmos as questões que envolvem a sexualidade e sua diversidade de representações, que por si mesma, é da ordem da pluralidade.


Desse modo, não será a partir de sua definição biológica e de sua especificidade genital, como sendo possuidor de um pênis ou de uma vagina que a criança definirá sua subjetividade como



estando do lado dos homens ou das mulheres. Seu processo de construção subjetiva, sua orientação sexual, identificação e escolha de objeto amoroso referem-se a um processo mais complexo. Um processo de identificação envolvendo a criança e seus pais. Envolvendo a cultura e suas referências sobre a sexualidade. É este enredo, este romance familiar, de sujeitos inseridos numa cultura, que ajudará a criança a estabelecer as bases de sua identificação com traços de um dos sexos/gêneros ou de ambos, ou de uma variedade de combinação entre eles. Uma pluralidade de saídas para a sexualidade que se constitui como da ordem de um enigma para qualquer um de nós. Enigma que nos impõe uma exigência de trabalho psíquico.


E trabalho exige tempo. A pressa em definir uma criança como trans, tomar partido em tratamentos hormonais, sequências de protocolos e encaminhamentos cirúrgicos, pode amputar sua possibilidade de brincar, sonhar, desejar, fantasiar, experimentar os limites de seu próprio corpo e todos os processos psíquicos que isso envolve. Escutar o que a criança tem a dizer, e para isso, boa parte das vezes ela nem usa palavras, requer ouvidos atentos a ela, às suas questões e impasses, a seus movimentos de busca, de curiosidade, de sofrimento e de prazer. E para escutá-la, por vezes é necessário que estejamos surdos às nossas pressas, angústias e necessidade de respostas.







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