Em se tratando de Psicanálise, cabe esclarecermos que apesar da nomeação – Curso de Formação – nossa proposta de trabalho é a de caminhar numa espécie de “antimodelo” daquilo que habitualmente entendemos por curso.
Queremos dizer que, os efeitos desse curso serão diferentes daqueles provocados pela pura comunicação do ensino tradicional, concebido de forma a separar o professor “sabe tudo” do aluno “que não sabe nada”.
Portanto, em relação ao texto fundador, estaremos em constante diálogo e apropriação de um saber na contramão do estudo formal.
Buscando refazer o percurso das descobertas freudianas, tentaremos mobilizar as condições para o movimento de descobrir próprio de cada um. Nesse trânsito da construção teórica freudiana, do surgimento das problemáticas, dos conceitos e do seu método, acreditamos precioso adquirir o lugar de valor ao precisar as perguntas que Freud formulou, mais do que suas respostas. Experimentaremos, assim, dia após dia: dúvidas; formulações; reformulações; leituras e releituras no itinerário dos nossos questionamentos e descobertas.
Nossos estudos não serão “simples” leituras, muito menos um “dever de casa”, mas uma busca marcada pela inquietude, angústia e questionamento ativo do desejo de saber. Entendemos que o vínculo que cada um tem com a teoria fornecerá pistas sobre o vínculo que terá com sua prática clínica. Trata-se, então, da escolha de um projeto - o percurso na psicanálise - que implica, entre outras coisas, em: uma particular relação com o saber, isto é, com o desejo de saber sobre o desejo dos outros.
“Para começar, direi que não se trata de uma dificuldade intelectual, de algo que torne a psicanálise difícil de ser entendida pelo ouvinte ou pelo leitor, mas de uma dificuldade afetiva (grifo nosso) – alguma coisa que aliena os sentimentos daqueles que entram em contato com a psicanálise, de tal forma que os deixa menos inclinados a acreditar nela ou a interessar-se por ela”.[1]
Neste artigo, como em outros, Freud nos instiga a perguntar: o quanto é fundamental, em todos os sentidos, que a análise exista na escolha desse projeto - percurso?
O eixo privilegiado na formação de um analista é a análise pessoal. É o único lugar aonde se pode analisar o desejo de ser analista, a relação com o saber, e ascender a uma condição psíquica na qual a curiosidade sexual infantil foi subtraída a um processo que encaminhou à sublimação. Lugar privilegiado da experiência da transferência e do inconsciente.
Podemos concluir, a partir dessa citação de Freud que, certamente, fazer análise e analisar nos coloca, em relação ao estudo da teoria psicanalítica numa possibilidade de diálogo e apropriação diferentes do que nomeamos acima de estudo formal. Deste modo, o aprendizado não é uma abstração, mas seu valor pode ser checado pela prática e pela própria análise, na superação da resistência dos nossos “pontos cegos”.
É necessário vencer a resistência e não a ignorância, ao preço de vários tormentos, é verdade! Pensamos, então, que cada um escolhe, pelo livre arbítrio, seu analista, para se aventurar num processo de viagem “ao estrangeiro” (J. Laplanche) em si. E assim, não encontrando na questão profissional uma rota de fuga para a dor na transferência, ou ainda, a tentação de colocar a teoria ao serviço, perigoso e perverso, de se defender das angústias da prática clínica.
Em termos temporais, o estudo da teoria psicanalítica não se encerra nesses dois anos e meio da nossa proposta, ao contrário, desde já, deve ser considerado por todos como não tendo um ponto final, por estar sempre em perpétua atualização.
Por fim, para completar o tripé da formação – análise pessoal, estudo da teoria psicanalítica temos, também, a supervisão da prática clínica. Diante do discurso do seu paciente, que interpela sua escuta, o analista iniciante é confrontado com um supervisor que interrogará sua escuta desde um saber que lhe é atribuído.
Consideramos que aprender psicanálise não é, apenas, abstrair conceitos dos textos discutidos, mas resignificá-los e valorizá-los a partir da clínica, da análise pessoal e da supervisão. Apropriar-se do texto psicanalítico atravessa a singularidade da história de cada um de nós, assim como, revela nossa identificação com Freud.
“A formação em psicanálise é um trabalho interior contínuo, que não se encerra com um curso, não se legitima com um diploma e não termina jamais. O saber sobre o inconsciente tem sempre um ‘mais, ainda’...”, como bem diz o psicanalista Geraldino Alves Ferreira Netto.
[1] Freud, S. Uma dificuldade no caminho da psicanálise (1917). S.E. –1969- Vol. XVII, pág. 171.
(Artigo originalmente publicado em 09/07/2020) Psicanalistas membros efetivos do TRIEP
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