Matéria originalmente publicada no portal do UOL VivaBem por Bárbara Therrie em 17/03/2022.
Símbolo da psicanálise, o divã é uma peça de mobiliário frequentemente usada em consultórios por profissionais que trabalham com essa terapia. O paciente deitado no divã e o analista sentado ao seu lado ou atrás, escutando-o, é a imagem clássica das sessões de psicanálise, embora o uso do móvel não se aplique a todos os casos.
Antes de responder ao título desta matéria, vamos primeiramente entender qual é a origem do divã na psicanálise. De acordo com Peter Gay, autor da biografia "Freud, Uma Vida Para Nosso Tempo", a peça de mobília foi um presente de uma paciente ao médico neurologista Sigmund Freud, em 1890, como gratidão pelos benefícios do seu tratamento.
O interessante nessa história é que embora o divã seja quase que considerado um objeto de fetiche da psicanálise, seu uso se deu num período anterior a ela. Isso porque na época em que Freud ganhou o presente, ele ainda não tinha criado a psicanálise como teoria e método de tratamento dos sintomas neuróticos, ele utilizava outras técnicas.
"O uso do divã remonta ao período do método catártico, por volta dos anos 1890 e 1895, no qual Freud e o médico Josef Breuer se utilizavam da hipnose para provocar uma catarse (libertação) dos afetos represados pelo evento traumático, que supostamente seria o causador dos sintomas neuróticos", diz Thais Klein, mestre e doutora em teoria psicanalítica pelo Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e membro do Núcleo de Estudos em Psicanálise e Clínica da Contemporaneidade da UFRJ. O divã, então, tinha como finalidade o relaxamento do paciente de modo que se alcançasse o estado hipnótico.
Em meados do final do século XIX, Freud abandona o método da catarse e a hipnose e institui a psicanálise a partir de duas premissas básicas. A primeira delas é a associação livre, onde o paciente pode e deve falar sobre o que quiser e da forma que quiser. A segunda é a escuta flutuante, onde o analista não direciona a fala do paciente e se ocupa prioritariamente da escuta.
Com a criação do método psicanalítico, Freud mantem o uso do divã como recurso técnico para diminuir a censura psíquica através do relaxamento e do descanso que a posição deitada provoca em todos os humanos.
“A fala que surge quando o paciente está deitado no divã, sem que ele veja a reação do analista, visa facilitar a abertura do inconsciente, ou seja, sua manifestação. Tudo que é inconsciente é motivo de resistência consciente, e o uso do divã contribui na superação desse tipo de dificuldade”. Laéria Fontenele, professora titular da UFC (Universidade Federal do Ceará) e diretora do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise - Seção Fortaleza.
Laéria Fontenele explica que, potencialmente, todo indivíduo se defende do seu inconsciente, pois nele existe a expressão de desejos, cuja proibição e interdição são a condição da lei simbólica e da entrada do homem na cultura. Tais desejos são conflituosos e fontes de sofrimento e angústia quando se manifestam conscientemente. "O uso do divã favorece que o paciente fale livremente o que lhe vem à mente, procurando não censurar os conteúdos que nela surgem”.
Gustavo Florêncio Fernandes, psicanalista, membro do TRIEP-Jundiaí (Trabalhos de Investigação e Estudos em Psicanálise) e associado do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise - Núcleo São Paulo, também diz que o divã tem como objetivo produzir um fluxo de fala por parte do paciente que não sofra a interferência de reações imaginárias a partir de expressões do analista. Ele dá um exemplo: "O paciente pode pensar 'por que será que ele desviou o olhar quando falei aquilo?' ou 'meu analista parece gostar quando falo determinados assuntos' ou 'por vezes seu olhar parecia me recriminar'. A utilização do divã busca que o fluxo de associações seja o mais livre possível da interferência do olhar, priorizando a fala e a escuta", diz.
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Gustavo Florêncio Fernandes
Psicanalista, membro efetivo do TRIEP
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