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Às voltas com a Matrix

Revi Matrix no final de semana, estava curioso atrás de alguma mensagem ainda codificada. O filme, uma ficção bastante conhecida e explorada, trata de um mundo distópico onde os seres humanos são conectados desde o nascimento a um poderoso sistema, a Matrix, que utiliza a energia produzida pelos corpos como combustível. Para que isso funcione precisam ser mantidos em estado vegetativo e interagindo em um mundo virtual que acreditam ser a realidade. A alegoria da caverna de Platão parece ter sido uma das fontes de inspiração das irmãs cineastas, Lilly e Lana Wachowski.



Passados vinte anos a semelhança com as redes sociais é inevitável. Estamos aqui, forçosamente para alguns, mas para a maioria, a definição de servidão voluntária de La Boétie parece ser precisa. Servindo a um grande sistema que não sabemos como sair dele, afinal é fonte de prazeres, supostas seguranças, dor, dúvidas, ilusões e doses de esperança. Noto que dito assim, nem parece tão novo.


Fato é que a vida nas redes toma o tempo e a energia e no mundo virtual são criados, com bastante dedicação, perfis que correspondam às exigências de felicidade, de consumo, de como estar por dentro.


Freud percebeu um mecanismo muito peculiar às histéricas em sua época. Os sintomas em seus corpos não correspondiam à fisiologia, mas sim aos recortes da alfaiataria, a mão terminava na luva, o braço correspondia ao tamanho da manga: partes desconectas das enervações que levavam o movimento. Assim ele expressava aquilo que mostra como são os corpos atravessados pela cultura e a ela eram endereçados, se comunicavam e diziam algo que em seu tempo não podia ser dito, significavam uma outra coisa e estavam relacionados com o que era moralmente condenado, o desejo sexual das mulheres. Os sintomas das histéricas eram reflexo de uma sociedade moralmente rígida e repressora.


Da Matrix do filme, alguns buscavam sair de sua realidade virtual e enfrentar uma verdade apocalíptica, hoje entramos diariamente nesse mundo virtual e não sabemos onde está a verdade, vivemos a chamada pós-verdade. A verdade no filme era assustadora, mas era possível encontrá-la. Hoje, o que nos aflige é o desamparo de estarmos frente ao incerto, da ruptura com padrões e coordenadas simbólicas que pareciam estáveis. A anatomia não é mais o destino. Se no palco das histéricas, a sexualidade conflituosa encenada interpelava a plateia, os videozinhos de hoje buscam o olhar de aprovação em jogos de imitação e a esperança de um pote de ouro no final.



Assistindo ao documentário da Netflix “O dilema das redes” fica bem claro como as pessoas vão sendo mapeadas e manipuladas. Principalmente as novas gerações que desde muito cedo passam grande parte de seu tempo nas redes se esforçando para corresponder às demandas do mundo. Se temos por um lado o conservadorismo que tenta impedir as novas formas de viver por outro temos um mundo com possibilidades de novas organizações em aberto sendo criado. Parece de fato preocupante que grande parte dessas novas coordenadas sejam forjadas pela potência da manipulação dos dados que têm como objetivo que fiquemos apenas mais e mais tempo conectados não importando o como nem o porquê, contanto que dê muito lucro.



Gustavo Florêncio Fernandes

Psicanalista, membro do TRIEP

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