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O precioso tempo da descontinuidade e do ócio

Como lidamos com o tempo? Já paramos para pensar nisso? Temos tempo para pensar?



Como diz Maria Rita Kehl, em seu livro “O tempo e o cão”, acerca da aceleração à qual vivemos:


“[...] O homem contemporâneo vive tão completamente imerso na temporalidade urgente dos relógios de máxima precisão, no tempo contado em décimos de segundo, que já não é possível conceber outras formas de estar no mundo que não sejam as da velocidade e da pressa”. (p. 123).


Por conta da correria cotidiana, é comum passarmos o dia sem muitos momentos de reflexão, ainda mais nesta época na qual vivemos, a contemporaneidade. Temos que pegar o filho na escola, voltar para casa para fazer o almoço, depois ir ao trabalho e assim por diante. São muitas coisas para fazer e a vida vai seguindo seu rumo. Porém, é imprescindível haver momentos de parada para que possamos, vez ou outra, repensar a trajetória que traçamos em nossas vidas.


Por que foi que tomamos determinada decisão e não outra? Agi conforme eu gostaria? Como me sinto hoje? São exemplos das diversas perguntas necessárias para que possamos nos reposicionar frente ao que vivemos. São momentos em que o ócio pode se fazer presente, sem ter como meta a pura eficiência de resultados.


Passar pela existência sem fazermos um pouco de questionamento sobre nós mesmos, pode fazer com que nossa vida não tenha muito sentido, como se vivêssemos de maneira automática fazendo coisas sem o mínimo de implicação possível. Podemos chegar ao ponto de não nos reconhecermos em algumas realizações pessoais, frente às quais podemos nos indagar: “o que isso que eu fiz tem a ver comigo?”. O efeito pode ser de uma espécie de apagamento pessoal, sem marcar nossa própria existência com coisas que nos são significativas.


Em outros casos, podemos passar a vida de forma veloz, numa tentativa de fazer tudo ao mesmo tempo para que nada nos falte. Tentamos preencher os espaços vazios para que nenhum tipo de silêncio pudesse ser ouvido; afinal, nada mais ruidoso do que esses momentos de suspensão de todos os sons.


Para que correr tanto? De quem? Quais perguntas estamos fugindo?


Desde a nossa tenra infância precisamos de tempo. Um bom exemplo é o momento do brincar. Quando alguém que cuida de uma criança brinca com ela, precisa aguardar dela uma resposta autêntica. Precisa, portanto, saber esperar o tempo do outro, pois somente assim é possível haver espaço para a criatividade, para formações espontâneas e para, inclusive, o erro. Assim, é necessário haver tempo entre o convite para brincar e o momento da resposta da criança, sem que necessite se adequar totalmente ao que os cuidadores esperam dela.


Muitos pais enchem os filhos de tarefas, como se não pudessem ter tempo ocioso. Só que apenas havendo um tempo para não fazer nada é que se torna possível uma produção própria, ou seja, quando as crianças se entregam de forma livre ao que elas gostam de fazer, sem nenhum cálculo prévio nem se aterem a responder o que esperam delas. Aqui, não está em questão a eficiência, mas o prazer para brincar e para criar, que somente se torna possível por haver um tempo que se coloca como descontinuidade no tempo do dia a dia. Nada de férias cheias de programações a cumprir!



Este movimento do tempo de espera continua durante os anos de vida subsequentes do sujeito, quando a brincadeira é substituída pelos discursos dos adultos. Passamos, então, a aprender a aguardar pelo que o outro tem a nos dizer.


Assim, desde muito cedo, precisamos introduzir uma descontinuidade no tempo do cotidiano, daquele que corre sem parar, que se move de maneira automática.


O custo de não haver algum tipo de parada para momentos ociosos pode ser de nosso próprio apagamento sem a possibilidade de escrevermos a nossa própria história, além de nos impossibilitar em saber aguardar pelo tempo do outro.


Quem sabe aguardar o movimento e a vez do outro poder falar? Quem suporta não ter como resposta aquilo que esperava? O outro pode responder do seu jeito e no seu tempo?



Fabiana Sampaio Pellicciari

psicanalista membro efetivo do TRIEP

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