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O que é um pai?


MATER SEMPER CERTA EST. PATER NONQUAM (Sempre há certeza de quem é a mãe. O pai é incerto). O dito romano é conhecido há bastante tempo e, no Direito Romano, dizia respeito à presunção de paternidade. Na tentativa de indicar quem era o pai, quem deveria assumir a paternidade e marcar a filiação, era aquele a quem a mãe indicava. Posteriormente, o dito foi alterado, passando o reconhecimento de paternidade a se embasar nas núpcias, no casamento e na fidelidade da mulher.


O Direito, através de leis que regulam o comportamento de um grupo social, tenta garantir que direitos e deveres sejam balizadores da convivência e das relações. Mas como garantir aquilo que é da ordem dos afetos, das relações intersubjetivas e dos enlaces, determinando questões que escapam às configurações “legítimas”?

O que é um pai, é definido em muitas esferas. A Biologia, o Direito, a Psicanálise, são ciências que tangenciam explicações e ideias, contribuindo a respeito do que possa orientar aquilo que faz com que um sujeito seja reconhecido e nomeado pai. E claro, partem de aspectos diferentes dos quais fazem emergir suas definições.


O que é um pai? É o progenitor, o marido da mãe, é aquele que educa a criança, é aquele que dá nome a ela, é quem a adota, é o amante da mãe, é aquele que a mãe diz que é? Pode ser que, em alguma medida, as respostas se reúnam numa mesma pessoa ou ecoem num mesmo sentido. Mas, e quando estes “caminhos” não se cruzam? Qual é a transmissão que faz com que um pai possa ser reconhecido como sendo-o?


É muito frequente que ao falarmos em filhos, o que primeiro vem à mente está relacionado ao feminino, à mulher, ao seu desejo de ter um filho (que pode diferir do desejo de ser mãe), à capacidade de maternagem... São atributos ligados ao feminino e ao que chamamos de figura materna. Quando um homem “exerce” estes atributos, também é comum ouvirmos falar de ser este “um pai que materna”, um pai “que é como uma mãe”. Pouco falamos sobre o desejo de filho no homem, sobre sua capacidade de “gerar um filho em seu psiquismo”.


Por mais que avanços e conquistas sociais tendam a ter maior representatividade e direitos garantidos para as novas configurações familiares, incluindo famílias homoparentais, ainda hoje percebemos uma tendência ao pensamento binário, reduzindo questões como esta (o que é um pai, o que define uma família) às caixinhas de determinações relativas à sexo e gênero. Como se isso respondesse a inquietações, fechasse questões e pronto, não se fala mais nisso.


No entanto, as funções materna e paterna escapam à este encaixotamento binário, e se descolam das figuras de um pai ou de uma mãe. Estas funções estão para além destes personagens do romance familiar e se constituem enquanto funções psíquicas, referentes a acolhimento, cuidado, continência, reconhecimento, interdição, organização da Lei simbólica, sustentação e proteção. São funções que se alternam entre as figuras de cuidado com a criança e, em ambas, navegam a noção de dar condições de apoio, segurança e estabilidade (psíquica, orgânica e social), acolhendo a criança em seu desamparo inicial e inserindo-a no universo da cultura.


Para que uma função de interdição e de organização da Lei (função paterna) possa se instaurar no decorrer do desenvolvimento de um filho, é necessário que antes este filho esteja inscrito no desejo do pai, que tenha sido sonhado por ele, que o filho possa ser reconhecido enquanto tal no desejo deste pai, e que o filho se saiba “filho de um pai”. E quando me refiro a “pai”, não estou me dirigindo à caixinha binária.

Para que um sujeito possa se reconhecer e ser reconhecido como pai, é necessário que haja, também nele, o nascimento de um filho. É isso o que possibilita que, num outro momento, o pai opere como agente interditor e seja aquele que apresenta seu filho à cultura e o insira nela, “para fora dos braços” (ou garras) da mãe, rompendo a díade idílica. Um pai separa para incluir (Ricardo Trinca, psicanalista).


A interdição é a continuidade de expressão de um desejo de que a criança continue no mundo, continue existindo, confirmando ter sido sonhado, desejado e incluído na vida psíquica do outro.


E é este campo desejante existente “desde antes do filho”, que torna possível o nascimento de um filho, sua inserção na cultura, seu reconhecimento na linha transgeracional. Sentir-se filho de um pai é o que nomeia um outro como pai. Estar (bem) estabelecido nos discursos da cultura e no discurso materno, é o que nomeia um sujeito como pai. Do contrário, são as leis que garantem muito e que, por vezes, são imprescindíveis, mas que não enlaçam, nem engatam ninguém no desejo e na cadeia de afetos de um outro.


Leila Veratti

Psicanalista, membro do TRIEP.


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