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  • Aqui jaz um poema de Gustavo Florêncio Fernandes

    Sê mistério Ao fundo, a grama se avizinha e apresenta seus pingentes. Enfileirados, esses nozinhos atam o cada ver que mira a vida ao cadafalso que escamoteia o mote. "Uma flor que dura apenas uma noite nem por isso nos parece menos bela." Freud (Sobre a transitoriedade, 1916) Gustavo Florêncio Fernandes Psicanalista, membro efetivo do TRIEP gusff@hotmail.com #psicanalise #psicanalisejundiai #triepjundiai #psicanalistasjundiai #gustavoflorenciofernandes #freud #poesia #triep

  • Mãe dedicada comum

    As necessidades de um bebê no início de sua vida, permanecem imutáveis, assim como a sua condição de dependência absoluta de um ambiente inicial que sustente seu crescimento físico e psicológico. Uma mulher vai se constituindo em mãe, frente às mudanças físicas, psíquicas e sociais. Donald Woods Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, defende a tese que: “...as mães, a não ser que estejam psiquiatricamente doentes, se preparam para a sua tarefa bastante especializada durante os últimos meses de gravidez, mas gradualmente voltam a seu estado normal nas semanas e meses que se seguem ao processo de nascimento. " É comum uma gestante imaginar como será seu bebê ao nascer. Nascerá saudável? Embora alguns pensamentos aflitivos passem pela sua cabeça, ela anseia dar à luz um bebê sadio que logo poderá estar em seu colo concretizando sua experiência de maternidade. “Existe espaço para todo tipo de mãe neste planeta” e, para a sorte do bebê, nenhuma mãe será perfeita. Cada uma será habilidosa em determinados cuidados e ruim em outros. Existiram dúvidas sobre as condutas, se algo que fez ou não fez resultou em algum mau para o bebê. O tempo todo uma mãe falha, e apesar disto, também, poderá continuamente corrigir suas falhas. São as falhas acrescidas pelos cuidados que as corrigem, que constituem a “comunicação do amor, assentada pelo fato de haver ali um ser humano que se preocupa.” Em seu livro “Os bebês e suas mães”, Winnicott recomenda que as mães confiem em suas singularidades, até em seus pequenos defeitos, como condições importantes para que seus filhos inaugurem sua vida no mundo. As configurações psíquicas do universo mental materno fazem com que a maternidade, uma experiência universal, adquira um caráter de singularidade. Não existiram duas mães iguais, como não existem dois indivíduos iguais. Existe um encontro e um tempo peculiar de cada par mãe – bebê. Ao longo do caminhar da maternidade, a mãe defronta-se com uma complexidade de sentimentos, necessitando lidar com emoções das mais variadas. Ser capaz de abrigar essas emoções dentro de si e conseguir que elas caminhem por um desenvolvimento saudável demandará ajuda do seu entorno, uma rede de apoio importante que a ampare, acolha e promova seu bom senso. Uma mãe precisará transformar e reorganizar sua identidade, mudando seu centro de filha para mãe, de esposa para progenitora, de profissional para mãe de família, de uma geração para a precedente. Essa reorganização é necessária para que consiga alterar seus investimentos emocionais, sua distribuição de tempo e energia em suas atividades. O feminino não se traduz na maternidade, o desejo pelo filho não é inelutável ou imprescindível. Porém, a maternidade se configura nessa fronteira complexa entre natureza humana e cultura, entre força impulsionadora e construção permanente. À nossa mãe dedicada comum de cada dia. Daisy Lino Psicanalista, membro efetivo do TRIEP daisy_lino@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #daisylino #winnicott #diadasmaes #maededicadacomum

  • O precioso tempo da descontinuidade e do ócio

    Como lidamos com o tempo? Já paramos para pensar nisso? Temos tempo para pensar? Como diz Maria Rita Kehl, em seu livro “O tempo e o cão”, acerca da aceleração à qual vivemos: “[...] O homem contemporâneo vive tão completamente imerso na temporalidade urgente dos relógios de máxima precisão, no tempo contado em décimos de segundo, que já não é possível conceber outras formas de estar no mundo que não sejam as da velocidade e da pressa”. (p. 123). Por conta da correria cotidiana, é comum passarmos o dia sem muitos momentos de reflexão, ainda mais nesta época na qual vivemos, a contemporaneidade. Temos que pegar o filho na escola, voltar para casa para fazer o almoço, depois ir ao trabalho e assim por diante. São muitas coisas para fazer e a vida vai seguindo seu rumo. Porém, é imprescindível haver momentos de parada para que possamos, vez ou outra, repensar a trajetória que traçamos em nossas vidas. Por que foi que tomamos determinada decisão e não outra? Agi conforme eu gostaria? Como me sinto hoje? São exemplos das diversas perguntas necessárias para que possamos nos reposicionar frente ao que vivemos. São momentos em que o ócio pode se fazer presente, sem ter como meta a pura eficiência de resultados. Passar pela existência sem fazermos um pouco de questionamento sobre nós mesmos, pode fazer com que nossa vida não tenha muito sentido, como se vivêssemos de maneira automática fazendo coisas sem o mínimo de implicação possível. Podemos chegar ao ponto de não nos reconhecermos em algumas realizações pessoais, frente às quais podemos nos indagar: “o que isso que eu fiz tem a ver comigo?”. O efeito pode ser de uma espécie de apagamento pessoal, sem marcar nossa própria existência com coisas que nos são significativas. Em outros casos, podemos passar a vida de forma veloz, numa tentativa de fazer tudo ao mesmo tempo para que nada nos falte. Tentamos preencher os espaços vazios para que nenhum tipo de silêncio pudesse ser ouvido; afinal, nada mais ruidoso do que esses momentos de suspensão de todos os sons. Para que correr tanto? De quem? Quais perguntas estamos fugindo? Desde a nossa tenra infância precisamos de tempo. Um bom exemplo é o momento do brincar. Quando alguém que cuida de uma criança brinca com ela, precisa aguardar dela uma resposta autêntica. Precisa, portanto, saber esperar o tempo do outro, pois somente assim é possível haver espaço para a criatividade, para formações espontâneas e para, inclusive, o erro. Assim, é necessário haver tempo entre o convite para brincar e o momento da resposta da criança, sem que necessite se adequar totalmente ao que os cuidadores esperam dela. Muitos pais enchem os filhos de tarefas, como se não pudessem ter tempo ocioso. Só que apenas havendo um tempo para não fazer nada é que se torna possível uma produção própria, ou seja, quando as crianças se entregam de forma livre ao que elas gostam de fazer, sem nenhum cálculo prévio nem se aterem a responder o que esperam delas. Aqui, não está em questão a eficiência, mas o prazer para brincar e para criar, que somente se torna possível por haver um tempo que se coloca como descontinuidade no tempo do dia a dia. Nada de férias cheias de programações a cumprir! Este movimento do tempo de espera continua durante os anos de vida subsequentes do sujeito, quando a brincadeira é substituída pelos discursos dos adultos. Passamos, então, a aprender a aguardar pelo que o outro tem a nos dizer. Assim, desde muito cedo, precisamos introduzir uma descontinuidade no tempo do cotidiano, daquele que corre sem parar, que se move de maneira automática. O custo de não haver algum tipo de parada para momentos ociosos pode ser de nosso próprio apagamento sem a possibilidade de escrevermos a nossa própria história, além de nos impossibilitar em saber aguardar pelo tempo do outro. Quem sabe aguardar o movimento e a vez do outro poder falar? Quem suporta não ter como resposta aquilo que esperava? O outro pode responder do seu jeito e no seu tempo? Fabiana Sampaio Pellicciari psicanalista membro efetivo do TRIEP fabiana.pellicciari@gmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #fabianapellicciari #descontinuidadenotempo #ocio #otempoeocao #contemporaneidade #criatividade #brincar

  • De um vazio barulhento

    No final do mês de março e no começo do mês de abril, uma escola em Jarinu (SP) e outra no Recife, foram espaços de manifestações de angústia de diferentes tipos, envolvendo adolescentes. Na primeira, cerca de oito adolescentes se automutilaram depois que uma delas começou a se cortar com lâmina de apontador. Na outra, houve uma crise de angústia coletiva: quase trinta alunos passaram mal ao mesmo tempo, apresentando sintomas como falta de ar, crises de choro, tremores, sudorese, saturação baixa, taquicardia. Isso aconteceu depois que uma estudante passou mal e desmaiou, gerando um efeito dominó entre outros colegas. Muitos especialistas se manifestaram sobre o ocorrido, tentando compreender o que teria gerado tais crises, chamando a atenção para o que estaria relacionado à saúde mental na pandemia e ao modo como as emoções, quando não elaboradas psiquicamente, podem encontrar no corpo o palco de uma expressão relativa a uma dor psíquica. Quando nos referimos à adolescência, falamos de um período da vida cheio de especificidades. Muita coisa acontece ao adolescente nessa transição: há um luto a ser feito pela perda dos pais da infância (que agora já não se fazem mais tão necessários), pela perda de um corpo infantil (que agora se apresenta mais autônomo e cheio de novidades que lhe trazem notícias de sua sexualidade e das curiosidades que a envolvem), há uma perda do mundo infantil que o cercava (mas que ainda não é o mundo adulto que lhe será daqui a pouco “permitido”...). Os espaços fora de casa começam a ser mais frequentados, tendo a seu lado não mais a família, mas amigos vindos de outras famílias. As comparações entre uma e outra se estabelecem, os pais começam a ser mais questionados, o desejo de pertencer a algo diferente se instala. Parece que o adolescente vive numa espécie de limbo, tentando lidar com todo este caldeirão de emoções e diferenciações que se apresentam nele e para ele. Em meio a todas estas mudanças, os grupos aos quais o adolescente busca pertencimento, o ajudam neste processo duplo de identificação-identidade e nas trocas entre seus pares, mediando os trabalhos psíquicos de luto e promovendo novos vínculos e elaborações. Os grupos aos quais um adolescente pertence, aqueles com os quais ele se identifica, de alguma maneira comunicam suas formas de expressão, seus sofrimentos, interesses, questionamentos, trazendo-lhe identidade e possibilitando que ela se solidifique. Quando nos deparamos com notícias como estas, retratando uma vivência coletiva de sofrimento entre adolescentes, podemos pensar o quanto isso deveria nos remeter a um pedido de ajuda. Quando algo extrapola o campo da palavra para comunicar e expressar um sofrimento e se manifesta numa forma de atuação coletiva, podemos pensar no quanto há aqui uma falha nos processos de simbolização, que poderiam/deveriam ser construídos coletivamente e que agora se mostram em declínio. Se até um tempo atrás a adolescência era vivida, apesar de seus percalços, como um período de promessas para um futuro de mais e melhores perspectivas e possibilidades, atualmente o que escutamos de muitos adolescentes diz respeito à desesperança, ao tédio sem limites, à falta de sentido, a uma apatia que, em alguns casos, se apresenta avassaladora. Estes modos de expressão de sofrimento têm sido cada vez mais comuns. E talvez ainda se tornem mais frequentes. O pedido de ajuda dos adolescentes para que sejam escutados naquilo que os angustia, tem vindo na forma destes episódios que, na última semana, ganharam espaço na mídia. Esse pedido nos diz de um eu que não tem conseguido conter a angústia e trabalhar com ela. E nestes casos, o excesso rompe as possibilidades de atribuição de sentido e provoca um curto-circuito entre o que é vivido-experienciado-pensado. E o sujeito fica submetido a este excesso, remetido ao desamparo, sentindo-se como que caindo num vazio. Se pensarmos com alguns autores da psicanálise que aquilo que é traumático para um sujeito, o é em sua esfera de relação intersubjetiva, não há como querermos tirar o time de campo. Fazemos parte do jogo. Vamos escutar ou fazer ouvidos moucos? Leila Veratti Psicanalista, membro efetivo do TRIEP leilacsantos@hotmail.com #leilaveratti #o_diva_a_passeio #psicanalise #psicanalisejundiai #triepjundiai #psicanalistasjundiai #automutilacao #angustia #sofrimentopsiquico #triep

  • Você sabe para que serve o divã na psicanálise?

    Matéria originalmente publicada no portal do UOL VivaBem por Bárbara Therrie em 17/03/2022. Símbolo da psicanálise, o divã é uma peça de mobiliário frequentemente usada em consultórios por profissionais que trabalham com essa terapia. O paciente deitado no divã e o analista sentado ao seu lado ou atrás, escutando-o, é a imagem clássica das sessões de psicanálise, embora o uso do móvel não se aplique a todos os casos. Antes de responder ao título desta matéria, vamos primeiramente entender qual é a origem do divã na psicanálise. De acordo com Peter Gay, autor da biografia "Freud, Uma Vida Para Nosso Tempo", a peça de mobília foi um presente de uma paciente ao médico neurologista Sigmund Freud, em 1890, como gratidão pelos benefícios do seu tratamento. O interessante nessa história é que embora o divã seja quase que considerado um objeto de fetiche da psicanálise, seu uso se deu num período anterior a ela. Isso porque na época em que Freud ganhou o presente, ele ainda não tinha criado a psicanálise como teoria e método de tratamento dos sintomas neuróticos, ele utilizava outras técnicas. "O uso do divã remonta ao período do método catártico, por volta dos anos 1890 e 1895, no qual Freud e o médico Josef Breuer se utilizavam da hipnose para provocar uma catarse (libertação) dos afetos represados pelo evento traumático, que supostamente seria o causador dos sintomas neuróticos", diz Thais Klein, mestre e doutora em teoria psicanalítica pelo Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e membro do Núcleo de Estudos em Psicanálise e Clínica da Contemporaneidade da UFRJ. O divã, então, tinha como finalidade o relaxamento do paciente de modo que se alcançasse o estado hipnótico. Em meados do final do século XIX, Freud abandona o método da catarse e a hipnose e institui a psicanálise a partir de duas premissas básicas. A primeira delas é a associação livre, onde o paciente pode e deve falar sobre o que quiser e da forma que quiser. A segunda é a escuta flutuante, onde o analista não direciona a fala do paciente e se ocupa prioritariamente da escuta. Com a criação do método psicanalítico, Freud mantem o uso do divã como recurso técnico para diminuir a censura psíquica através do relaxamento e do descanso que a posição deitada provoca em todos os humanos. “A fala que surge quando o paciente está deitado no divã, sem que ele veja a reação do analista, visa facilitar a abertura do inconsciente, ou seja, sua manifestação. Tudo que é inconsciente é motivo de resistência consciente, e o uso do divã contribui na superação desse tipo de dificuldade”. Laéria Fontenele, professora titular da UFC (Universidade Federal do Ceará) e diretora do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise - Seção Fortaleza. Laéria Fontenele explica que, potencialmente, todo indivíduo se defende do seu inconsciente, pois nele existe a expressão de desejos, cuja proibição e interdição são a condição da lei simbólica e da entrada do homem na cultura. Tais desejos são conflituosos e fontes de sofrimento e angústia quando se manifestam conscientemente. "O uso do divã favorece que o paciente fale livremente o que lhe vem à mente, procurando não censurar os conteúdos que nela surgem”. Gustavo Florêncio Fernandes, psicanalista, membro do TRIEP-Jundiaí (Trabalhos de Investigação e Estudos em Psicanálise) e associado do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise - Núcleo São Paulo, também diz que o divã tem como objetivo produzir um fluxo de fala por parte do paciente que não sofra a interferência de reações imaginárias a partir de expressões do analista. Ele dá um exemplo: "O paciente pode pensar 'por que será que ele desviou o olhar quando falei aquilo?' ou 'meu analista parece gostar quando falo determinados assuntos' ou 'por vezes seu olhar parecia me recriminar'. A utilização do divã busca que o fluxo de associações seja o mais livre possível da interferência do olhar, priorizando a fala e a escuta", diz. CONTINUE A LER A MATERIA NO LINK: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2022/03/17/voce-sabe-para-que-serve-o-diva-na-psicanalise.htm?utm_source=facebook&utm_medium=social-media&utm_campaign=vivabem&utm_content=geral Gustavo Florêncio Fernandes Psicanalista, membro efetivo do TRIEP gusff@hotmail.com #divã #freud #psicanalise #psicanalisejundiai #triepjundiai #psicanalistasjundiai #gustavoflorenciofernandes #vivabemuol

  • Quando a cabeça não pensa, o corpo...

    Adoecer é um fenômeno inerente à vida, mas não é só o corpo que sofre; ter angústia e ansiedade das mais variadas formas, perder o sono ou o apetite, faz parte do nosso viver. Por vezes as dores se manifestam no corpo, outras na alma, e outras nos dois. Acreditando que muitas doenças estejam ligadas ao funcionamento mental das pessoas, alguns cientistas na França se propuseram, há alguns anos, a estudar mulheres portadoras de nódulos nas mamas. O objetivo da pesquisa era verificar se havia alguma relação entre a malignidade do problema e o estado psicológico destas mulheres. Sem os diagnósticos em mãos, as pacientes participaram de entrevistas que tinham o propósito de avaliar se suas vidas psíquicas contemplavam as capacidades de fantasiar e sonhar, o que são resultados das representações psíquicas que constituem a base da vida mental. O resultado final desta pesquisa constatou que as mulheres que possuíam uma capacidade de representação psíquica mais preservada obtiveram diagnóstico de nódulos benignos. Representação psíquica é um termo utilizado por Freud para designar a expressão psíquica das excitações provenientes do corpo. A todo instante, diferentes estímulos nos atingem produzindo algum nível de impacto, se este for significativo vai gerar um nível de tensão que demandará liberação, principalmente quando for intenso. Essa liberação da tensão pode se dar por três vias não excludentes entre si: corporais (rubor no rosto; susto que leva a uma taquicardia; etc.), motora e sensorial (um estímulo ameaçador pode acarretar gritos ou tremores; etc.), mental ou psíquica (ativação dos pensamentos e ideias). A capacidade de representação psíquica pode ser explicada, com um exemplo: diante de um estrondo muito forte, uma pessoa pode ter uma tremedeira, pode ter uma dor de barriga, pode correr e pode ao mesmo tempo em que tem essas reações corporais, motoras e sensoriais, pensar “o que foi esse barulho?”, “será um desmoronamento?”, mostrando assim que procura ou tenta dar um sentido para o que está experimentando. Claro que a pessoa pode dar sentido às experiências que vivencia posteriormente, quando pensa no que aconteceu ou fala sobre o ocorrido. Então, se diante de uma situação da vida a pessoa reage somente pelas vias corporais e motoras podemos dizer que essa situação não foi representada psiquicamente, o que foi experienciado não foi processado no plano mental, ou seja, em pensamentos e ideias em busca de algum sentido. Quando a pessoa não compreende o que se passa com seus afetos, não consegue mentalizar suas angústias, raivas e decepções, acaba correndo o risco de desenvolver sintomas somáticos, pois, podemos dizer que se encontra em uma linguagem pré-verbal. Muitas vezes após vivenciar uma situação traumática, tal como desemprego, falência, perda de um ente querido, separação conjugal, mudança ou exílio forçado de país ou cidade, pandemia, guerra... pode ocorrer que o pensar desta pessoa fique diminuído em suas condições de fantasiar, sonhar, elaborar e processar suas angústias. Isso pode causar um rebaixamento de sua resistência física tornando seu corpo um terreno propício às doenças. Portanto, o desequilíbrio da unidade corpo e mente pode produzir sintomas no corpo e acelerar o desenvolvimento de doenças. Nas doenças psicossomáticas – como são chamadas - o corpo é afetado em sua realidade orgânica e funcional. Os episódios psicossomáticos, muitas vezes, são tratados por especialidades médicas que terminam por não levar em conta as múltiplas determinações e a complexidade de sentidos, desse modo não incluem o encaminhamento psicoterápico no tratamento destes pacientes. A abordagem dos fenômenos psicossomáticos é complexa e não comporta visões unilaterais, sendo que a gravidade de certos casos exige olhares plurais sobre o sofrimento e requer encaminhamento psicoterapêutico. O filósofo francês Régis Debray (2001) afirma que “separar nos indivíduos humanos o que atua na cena psíquica do que se vive ao nível do corpo é injustificado. De fato, a antiga dicotomia psique/soma não resiste a esta evidência: somos todos seres psicossomáticos”. Daisy Maria Ramos Lino Psicanalista, membro efetivo do TRIEP. daisy_lino@hotmail.com #psicanalise #psicanalisejundiai #triepjundiai #psicanalistasjundiai #triep #freud #psicossomatica #adoecer #daisylino

  • O perigo de conseguir realizar o que tanto queremos

    Já ouvimos (e pensamos) tantas vezes a seguinte frase: “está tão bom que algo ruim está prestes a acontecer”. Esta “premonição” de uma desgraça iminente é fruto de uma crença na qual acreditamos que não podemos “chegar lá”, seja aonde for que projetamos a nossa felicidade. De onde vem tal ideia? Freud escreveu um texto muito interessante a esse respeito, intitulado “Um distúrbio de memória na Acrópole”, de 1936, endereçado à Romain Rolland. Relata um fenômeno ocorrido com ele em 1904, quando visitara a Acrópole, lugar este que tanto desejara, quando foi pego pelo seguinte pensamento: “Então, tudo isso realmente existe mesmo, tal como aprendemos no colégio!”. Tal dúvida quanto sua presença em Acrópole, apesar de poder vê-la, foi motivo para sua investigação sobre as origens deste seu sentimento de estranhamento com relação à própria realidade. Freud ligou este fato ocorrido com o seu passado, remontando ao fato de que, um dia, já duvidara tanto que conheceria a Acrópole como, também, da própria existência da Acrópole. Deslocou, assim, esses pensamentos do passado para o fenômeno que estava ocorrendo no presente diante da Acrópole. Lembra-se, também, de sua origem humilde e das impossibilidades que já tivera em sua infância de viajar para terras distantes, apesar de desejar “ir tão longe”, além das suas insatisfações com sua casa quando morava com seus pais. Ou seja, o que anteriormente era inatingível, passa a ser realizado. Freud chega a uma terra distante, tão desejada nos seus tempos de infância, coisa que seu pai jamais alcançara. Conclui que tal êxito pode estar acompanhado com um sentimento de proibição de ir além do pai, por justamente ter realizado mais do que seu pai realizara, como se não fosse permitido ultrapassá-lo. Tal feito pode ser acompanhado de um sentimento de culpa vinculado à satisfação em tal realização. Tais considerações freudianas nos fazem pensar como entramos em um impasse: por um lado, uma busca se consuma em sua realização; por outro, tal feito parece não poder, enfim, consumar-se. Afinal, tal chegada a uma determinada conquista é acompanhada da sua contrapartida: a verificação que o pai (ou uma mãe, a depender de quem ocupe essas função de orientar nosso destino para que nunca nada nos falte) não é tão grande e tão forte como imaginávamos. Quando tentamos nos manter sempre menores do que ele (ela), evitamos a constatação de sua fragilidade e de sua impotência. Insistir em uma posição infantil, independente da nossa idade cronológica, é pedir que as garantias se mantenham, para não nos darmos conta de nossas impossibilidades, seja lá quais forem. Manter um pai (mãe) forte e imbatível, é sustentar um lugar ideal onde nunca nada irá atingi-lo (la). Podemos constatar, muitas vezes, que são os próprios pais que não cedem de seu lugar idealizado, como se precisassem manter seus filhos sempre próximos, sem poder passar o bastão para que eles sigam além do que eles mesmos, os pais, imaginavam ou gostariam. Ir além dessa figura parental supostamente onipotente é, afinal, dar um passo a mais: é responsabilizar-se pelo que virá sem a necessidade de convocar o pai (mãe) a ter que responder pelos nossos atos, mesmo diante da resistência dos pais em ceder de seu lugar. É pagar o preço pela nossa decisão, mesmo que seja custosa. É não ficar seduzido a voltar à posição infantil de recorrer ao pai (mãe) e, assim, colocá-lo (la) de volta a uma posição idealizada de força e de garantia pelo nosso destino. Fabiana Sampaio Pellicciari psicanalista membro efetivo do TRIEP fabiana.pellicciari@gmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #fabianapellicciari #faltadegarantias #paisemaes #ultrapassaropai #freud #acropole #perigonarealizacao

  • Síndrome da Resignação

    Um sujeito não é concebido como tal se o deslocarmos de seu tempo e suas contingências. Com uma criança isso não seria diferente. Cada tempo apresenta um recorte da História e, a partir dela, é que se produz um saber sobre o que é uma criança, qual o lugar que ela ocupa na cultura e o que a determina enquanto ser social. Supor que há ali um sujeito e que ele é passível de sofrimento, nos faz pensar a infância naquilo que ela tem de mais singular. “A vida em mim” (2019), documentário disponível na Netflix, aborda um fenômeno apresentado por crianças, filhos de famílias de imigrantes refugiados, que sofreram traumas físicos e psicológicos em seus países de origem, como consequência do enfrentamento de questões políticas e étnicas. São crianças que apresentam um sofrimento tão intenso, que parecem se desligar da vida. Estas crianças testemunharam situações terríveis junto de suas famílias (ameaças, assassinatos, estupros, espancamentos...), e ao se refugiarem na Suécia, começaram a frequentar a escola, ter amigos, aprender a língua e a cultura do país. Mas perante medidas cada vez mais restritivas do governo, a possibilidade de suas famílias serem deportadas se torna uma ameaça mais frequente. A incerteza de uma continuidade de futuro longe da violência que presenciaram, e uma espécie de dúvida de que seus pais conseguirão cuidar delas e de si mesmos, afeta estas crianças de maneira que elas deixam de investir no mundo ao seu redor e se isolam dele como uma medida de proteção. A espera de uma resposta definitiva sobre conseguirem asilo, com a possibilidade de refazerem suas vidas e viverem naquele país, suscita grande angústia e sofrimento gerando em algumas das crianças destas famílias, um quadro sintomático que ficou conhecido como “síndrome da resignação”, que passou a ser frequente na Suécia em 2003, ganhando força, novamente, em 2016. Apesar de ocorrer também em outros países, alguns deles não levaram adiante estudos sobre o tema. Nesta síndrome, os primeiros sintomas apresentados pelas crianças se referem a deixar de falar, só ficarem deitadas, imóveis, sem emitirem nenhum som, comerem e beberem cada vez menos até deixarem de fazê-los, e se isolarem do mundo, apresentando uma apatia tal que lembra os estados de coma. Winnicott (1939) definiu este tipo se vivência traumática como “blackout emocional”, afirmando que crianças expostas a uma experiência intensa de trauma e tristeza, podem apresentar grandes prejuízos em termos de desenvolvimento físico e/ou emocional. No documentário, acompanhamos as histórias de três crianças: Daria (Dasha), Karen e Leyla. Cada uma delas vivendo, com suas famílias, um longo período de incertezas após a vivência de um evento extremamente traumático. Para que elas possam se restabelecer, é necessário que seus pais invistam nelas interesse, cuidados, lhes façam exercícios, massagens, as alimentem, banhem... E o mais importante, mencionado em um dos momentos do documentário, é que os pais falem com elas, que lhes contem o que está acontecendo, que possam banhá-las de palavras e afetos. Quando isso é passível de uma legitimidade e a criança se sente novamente investida afetivamente por seus pais, é como se ela percebesse que eles se sentem mais seguros, que podem cuidá-la e que estão renovando suas esperanças na possibilidade de um futuro melhor, retomando uma “vida familiar normal”. A partir da retomada dos pais de sua capacidade de sonhar, de desejar, eles renovam suas esperanças e ajudam a criança a encontrar saídas para sua vivência de blackout emocional. A esperança é “um princípio organizador da vida psíquica, indispensável para seu bom funcionamento” (Figueiredo, 2003). Enquanto estrutura subjetivante, ela é constituinte de nosso psiquismo e nos possibilita fazer o psiquismo trabalhar para elaborar e dar contornos e sentidos àquilo que vivenciamos de mais traumático. E é a esperança que sustenta em nós a capacidade de sonhar, de desejar um futuro, de fazer projetos e caminhar nesse sentido (Rocha, 2007). “A melhora da criança depende da possibilidade de restaurar a esperança. Os pais são os que transmitem essa esperança. Deve haver um tipo de comunicação, o tom, o toque, a atmosfera no quarto, algo que faz a criança sentir que os pais têm esperança” (trecho do documentário). Quando a esperança dos pais é resgatada, a criança começa a melhorar. É como se a esperança funcionasse como algo capaz de dar contornos e palavras que possibilitem à família retomar aspectos de investimentos psíquicos e se sentirem protegidas daquilo que até então ameaçava suas vidas e sua integridade psíquica e emocional. Vale assistir não apenas para pensarmos a condição dos refugiados, que tem ocorrido cada vez com mais frequência no mundo todo, mas também para considerarmos que, quando uma criança apresenta algum sofrimento, isso requer nossa legítima atenção e escuta! Leila Veratti Psicanalista, membro efetivo do TRIEP leilacsantos@hotmail.com #leilaveratti #o_diva_a_passeio #psicanalise #psicanalisejundiai #triepjundiai #psicanalistasjundiai #netflix #avidaemmim #sindromedaresignacao #esperança #psicanaliseecotidiano

  • Nossa sobrevivência

    É muito conhecida a queda de um avião na Cordilheira dos Andes na década de 70. A história ficou famosa pelos relatos dos limites enfrentados pelos sobreviventes, o fato de terem tido que se alimentar dos cadáveres de outros passageiros ficou na lembrança de muitos de nós. Alguns morreram por não conseguirem se nutrir com essa alternativa. Com esse relato é possível se aproximar de uma diferença fundamental para a tentativa de compreensão do ser humano a respeito da “ruptura” com a concepção de instinto. Note que mesmo nos limites da vida, não brotam em nós algo que nos liberte de nos apropriarmos do mundo pela cultura, não conseguimos nem no extremo da fome nos alimentarmos sem estarmos remetidos aos nossos tabus, a nossa civilização. Na história do acidente mencionado, alguns sim, se alimentaram dos cadáveres, mas para isso tiveram que simbolizar o ocorrido, conversando para tentar se convencer da única opção que tinham, deram as mãos, oraram etc. Se observarmos um animal faminto sabemos que a voracidade da fome não opera restrições. Esse acidente nos ajuda a pensar sobre a particularidade da experiencia humana que a teoria psicanalítica conceitua: diferenciando o instinto no animal e o que para a condição humana se convencionou chamar de pulsão. A argumentação freudiana explicita que os objetos do mundo ao qual nos ligamos, seja para amar, alimentar, trabalhar etc. não são fixos e sim o mais variado possível. O nosso saber para estar no mundo parte da civilização por nós criada e não de comportamentos pré-determinados pelo instinto. Aos animais, frente restrições alimentares, seguirão, ao que tudo indica, apenas o imperativo da sobrevivência. A fome e a morte com que lidaram no acidente foi ritualizada de maneira a não se inscrever como barbárie e sim como a luta pela vida. Porém com a guerra, a miséria vem junto com esse sentimento de injustiça extrema, de um acontecimento desumano que leva à ruptura das referências da organização social e a marca de que a invenção do nosso mundo se baseia nesse recorte simbólico operado pelas palavras. Inventar um mundo não se dá “naturalmente” e carece de nosso envolvimento, esforço e reponsabilidade, incluso com nossa destrutividade, para manter viva a ideia de que podemos transformar o mundo para que seja mais justo. Gustavo Florêncio Fernandes Psicanalista, membro efetivo do TRIEP gusff@hotmail.com #psicanalise #psicanalisejundiai #triepjundiai #psicanalistasjundiai #triep #gustavoflorenciofernandes #freud #lacan #pulsao #psicanalise

  • De Einstein para Freud: Por que a guerra?

    Em 1932, o Comitê Permanente para a Literatura e as Artes da Liga das Nações orientou o Instituto Internacional para Cooperação Intelectual a promover cartas entre intelectuais de renome “a respeito de assuntos destinados a servir aos interesses comuns à Liga das Nações e a vida intelectual”. A Liga das Nações, ou Sociedade das Nações, criada ao término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) em função dos horrores vividos nesta, tem sede em Genebra, na Suíça, e foi a primeira organização de escopo universal em bases permanentes, voluntariamente integrada por Estados soberanos com o objetivo principal de instituir um sistema de segurança coletiva, promover a cooperação e assegurar a paz futura. Em abril de 1946, se dá formalmente a dissolução da Liga das Nações, que já não funcionava alguns anos antes. Também, desde outubro de 1945 a Organização das Nações Unidas (ONU) já havia iniciado suas atividades, de forma a funcionar como sucessor da Liga das Nações. Albert Einstein, a partir dessa promoção da Liga das Nações, em julho de 1932, envia uma carta-convite ao Professor Freud para dialogarem sobre: “Por que a guerra?”. As duas cartas foram publicadas em Paris, em 1933, em alemão, francês e inglês simultaneamente, tendo sua circulação sido proibida na Alemanha. Einstein, questionou e ponderou entre vários aspectos: “Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra?”; “O que pode ser feito para proteger a humanidade da maldição da guerra?”; “É possível controlar a evolução da mente do homem, de modo a torna-lo à prova das psicoses do ódio e da destrutividade?”. Em suas ponderações, Einstein se colocava um tanto otimista e acreditava que a partir da união das nações seria possível extrair a violência entre os homens e transportá-la para o campo da palavra. A resposta de Freud ao Professor Einstein, em setembro de 1932, é mais pessimista porque ao recorrer aos conceitos psicanalíticos argumenta que a violência é algo próprio da constituição do ser humano. Introduziu, nesse “intercâmbio de ideias”, a violência se contrapondo em relação com o direito: “O senhor começou com a relação entre o direito e o poder. Não se pode duvidar de que seja este o ponto de partida correto de nossa investigação. Mas, permita-me substituir a palavra ‘poder’ pela palavra mais nua e crua ‘violência’? Atualmente, direito e violência se nos afiguram como antíteses.” A violência está arraigada junto à vida pulsional, ou seja, ela tem a ver com desejos, ambições, interesses e que, sendo assim, não pode ser eliminada/extirpada dos humanos. Escreve Freud: “...os conflitos de interesse entre os homens são resolvidos pelo uso da violência”. A violência poderia ser suavizada, segundo Freud, quanto ao seu destino, ser tratada nas suas possibilidades de simbolização, mas não eliminada porque ela tem várias origens que constituem nossa subjetividade. A destrutividade, argumenta Freud, compõe a preservação da vida dirigindo-se para fora e uma boa abordagem desse funcionamento, relacionado ao narcisismo, pode ser lida no artigo da colega Fabiana S. Pelliciari - https://www.triep.com.br/post/por-que-gostamos-tanto-de-ter-inimigos. Finaliza Freud em reposta à Einstein: Ora, a guerra se constitui na mais óbvia oposição à atitude psíquica que nos foi incutida pelo processo de civilização, e por esse motivo não podemos evitar de nos rebelar contra ela; simplesmente não podemos mais nos conformar com ela. Isto não é apenas um repúdio intelectual e emocional; nós, os pacifistas, temos uma intolerância constitucional à guerra, digamos, uma idiossincrasia exacerbada no mais alto grau. Realmente, parece que o rebaixamento dos padrões estéticos na guerra desempenha um papel dificilmente menor em nossa revolta do que as suas crueldades. E quanto tempo teremos de esperar até que o restante da humanidade também se torne pacifista? Não há como dizê-lo. Mas pode não ser utópico esperar que esses dois fatores, a atitude cultural e o justificado medo das consequências de uma guerra futura, venham a resultar, dentro de um tempo previsível, em que se ponha um término à ameaça de guerra. Por quais caminhos ou por que atalhos isto se realizará, não podemos adivinhar. Mas uma coisa podemos dizer: tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra. Recomendo vivamente a leitura dessa correspondência, tão atual nacional e internacionalmente. Referência Bibliográfica: FREUD, Sigmund (1969) – Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago Ed. Ltda. (1933 [1932]) Por que a guerra? Vol. XXII. Daisy Maria Ramos Lino Psicanalista, membro efetivo do TRIEP. daisy_lino@hotmail.com #psicanalise #psicanalisejundiai #triepjundiai #psicanalistasjundiai #triep #loucura #freud #einsteinefreud #russiaucrania #violencia #daisylino

  • Por que gostamos tanto de ter inimigos?

    A pergunta pode parecer meio absurda, porque muitos de nós dizemos detestar qualquer tipo de confusão. Mas às vezes tal confusão pode ser mascarada, quando falamos de pessoas que não gostamos apenas nas conversas com amigos, ou quando atacamos os outros de forma velada em perfis anônimos nas redes sociais, por exemplo. Mesmo porque, a internet pode ser de grande auxílio quando queremos expor nossas animosidades sem nos declararmos abertamente. Um bom exemplo de como gostamos de situações de brigas, nem se for na pele de outras pessoas com as quais podemos nos identificar, é atestado pela audiência do Big Brother, que estava baixa até outro dia quando os seus participantes não se enfrentavam muito, mas começou a aumentar devido à intensificação das tretas entre os confinados. Quando se formam estes grupos rivais, começamos a nos identificar com esta ou aquela panelinha, estendendo nossas opiniões a respeito em discussões nas redes sociais. Sentimo-nos, dessa forma, pertencendo a um determinado grupo, mesmo que à distância. Constatamos, assim, como gostamos de nos meter em conflitos, sejam eles declarados ou mais discretos. Podemos dar a cara à tapa ou deixar a nossa participação anônima. De qualquer forma, identificar nossos inimigos significa nos afirmarmos de um determinado jeito. Como isso acontece? Quando dizemos que não gostamos de alguém porque tal pessoa é invejosa, por exemplo, sabemos muito bem que essa é a sua característica, não há dúvidas! Em contrapartida, nos colocamos, muito provavelmente, como alguém bom ou, pelo menos, não invejoso. Retiramos tal aspecto que não gostamos de nós mesmos e o depositamos nos outros. Dizemos: “eu não tenho inveja, sou uma pessoa boa. Não sou como esse aí”. O ódio ou a desavença nos traz essa certeza, porque delimitam muito bem os nossos inimigos ou adversários, pois sabemos contra quem nos contrapomos. Tal atitude pode ocorrer no âmbito da política, da vida social, dos esportes etc. Qualquer time de futebol é bem ilustrativo a esse respeito: um palmeirense não se mistura em nada com um corinthiano, e vice-versa. Cada um sabe muito bem o seu lugar porque delimita, igualmente, contra quem irá competir. Criticamos nos outros o que não queremos para nós mesmos, pelo menos em um primeiro momento. Acontece que tal crítica pode nos fazer pensar: se digo que tal pessoa é invejosa, por que eu penso isso? Por que tal pessoa com determinada característica me afeta tanto? Estas perguntas que fazemos a nós mesmos são importantes porque nos implica naquilo que nos queixamos nos outros. Mas vamos dizer que não queremos nos remeter às nossas próprias questões a partir do que os outros nos causam; queremos apenas apontar o dedo para os outros qualificando-os dos mais indesejáveis adjetivos: chatos, egoístas, maldosos, ingratos, e assim por diante. Em última instância, mantemos os nossos inimigos intactos, sem nenhum tipo de possibilidade de mudança. E, da mesma maneira, impossibilitamos reconhecer o que há de maldoso em nós mesmos. Afinal, sabemos exatamente quem somos, criaturas benevolentes e cheias de boas intenções! Será? Afinal, pode ser realmente muito bom cultivar um inimigo de estimação pra chamar de seu. Fabiana Sampaio Pellicciari psicanalista membro efetivo do TRIEP fabiana.pellicciari@gmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #fabianapellicciari #tretas #conflitos #gostoporbrigas #inimigo

  • Good vibes only?

    Muitas vezes é colocada como indiscutível a importância de que tenhamos certos cuidados com nossa saúde física e emocional. O que não nos impede de pensar a maneira como a pós-modernidade se ocupa disso, engatando em sua engrenagem sujeitos cada vez mais desejosos de assepsia e transformando o discurso de autocuidado em mais um imperativo de consumo. Cortar calorias, açúcares, gorduras, glúten, lactose, excesso de peso, gente chata, pensamento negativo, bora meditar, praticar yoga, fazer skincare, ficar em dia com a atividade física... tudo veio para dentro do mesmo saco. Não que sejam farinha do mesmo saco. Mas esse pacote virou um verdadeiro “balaio de gatos”. Expressão antiguinha, ouvia de alguns familiares sem entender muito bem, na época em que eu era criança, o que isso significava. E talvez hoje, com os felinos “em alta”, fofos e engraçados postados nas redes sociais, o sentido original da expressão também tenha se perdido. De repente há quem queira um balaio de gatos sem saber que o que ele designa é um espaço cheio de bagunça e encrenca... E é algo parecido com isso o que se instala com esse desejo de assepsia de corpos e mentes. Compramos pacotes de saúde sem observar o engano que vem dentro. Parecem um balaio de gatos cheio de beleza, leveza, good vibes only. Mas ao preço de anularmos, ilusoriamente, aquilo que de não muito bonito, leve e glamouroso nos permeia e constitui: somos, também, um balaio de brigas internas, confusões e desordens! Dobrando a esquina ou na postagem seguinte, encontramos dicas e imposições motivacionais na expressão “Seja a melhor versão de si mesmo!” Mas o que isso determina? Talvez a proximidade de uma versão subjetiva um pouco mais implicada no “melhor de si mesmo” seja exatamente a de poder nos aproximar da possibilidade de lidar com esse horror que é, muitas vezes, saber-se dinâmico, cheio de conflitos, com a vida composta em oscilações, perdas, impotências, fragilidades, possibilidades amarradas a limites, um certo desconforto contínuo em existir e ainda assim, apostar. De repente, nossa melhor versão esteja em podermos dar lugar ao pior de nós mesmos. Mas ao invés disso, o que escutamos gritado em excesso aos quatro cantos, piscando em luz neon, é do quanto precisamos nos livrar de tudo isso. Como se tudo no mundo fosse tóxico e abusivo (“exceto você, alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado!”) e nada tivéssemos, então, que nos implicar nesse imbróglio. Afastar algo para bem longe, como quem cospe “um mundo que não lhe pertence”, é um dos mecanismos mais primitivos que constitui nosso psiquismo. Nesse processo inaugural, o eu “coloca para dentro de si” tudo o que percebe como “bom” e se identifica com isso. Em contrapartida, ejeta para longe, na realidade, aquilo que interpreta como “mau e estranho” a si. Neste movimento psíquico inicial, há uma primeira tentativa de diferenciação eu-mundo externo. Pra nossa sorte, o psiquismo avança, o eu expande. E a capacidade de pensar, de mediar a realidade através dos pensamentos e das palavras, de tolerar a frustração e adiar a satisfação, se apresentam como possibilidades de livrar o eu de um estado alucinatório, puramente cindido entre ele e a realidade, mediando as fronteiras psíquicas entre dentro-fora, interno-externo, criando o espaço-entre. Nesse espaço-entre, o outro passa a ser percebido em sua alteridade, a realidade é percebida em sua complexidade, para além do qualitativo “desagradável, ruim, tóxica” e o próprio sujeito pode se perceber também em suas cisões. Parece mais fácil quando não há questões, mas isso ocorre ao custo de um empobrecimento do eu, que afeta suas relações, sua capacidade de criação e de pensamento, bem como sua capacidade de organizar suas experiências e modificar a realidade. Nas palavras do psicanalista Contardo Calligaris, “a filosofia do contente é uma armadilha do consumo. A existência humana tem amplitude, que inclui medos, perdas, dores”. É humana a necessidade de afastar aquilo que nos traz sofrimento e a tentativa de aplacar a dor de existir, é uma primeira defesa, que pode ser seguida de pensamento, implicação e possibilidade de elaboração. Mas esta é uma outra vibe! Leila Veratti Psicanalista, membro efetivo do TRIEP leilacsantos@hotmail.com #goodvibes #wellness #goodvibesonly #melhorversao #subjetividade #psicanaliseesubjetividade #leilaveratti #o_diva_a_passeio #psicanalise #psicanalisejundiai #triepjundiai #psicanalistasjundiai

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