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  • Sei tudo que penso, escolho e faço?

    Tenho absoluta consciência e controle sobre tudo o que digo e faço? O que me leva a dizer ou fazer algo é mesmo pelos motivos que penso? Pois é, estaremos muitíssimo enganados se acreditarmos que somos senhores absolutos da nossa mente. Isso porque somos habitados, também, por um inconsciente. No início do século XX, Sigmund Freud apresentou a causalidade psíquica, ou seja, o comportamento humano estaria determinado por uma natureza biológica, como estuda a medicina, e também, pelo inconsciente. O que é inconsciente para a Psicanálise? Aproveitando essa ocasião aviso, subconsciente não existe. Inconsciente para a Psicanálise não é o mesmo que um estado sem consciência, muito menos é alegação suficiente para livrar alguém das responsabilidades de seus atos. Freud utiliza-o para nomear um sistema psíquico diferente dos demais e dotado de atividade e lógica próprias. O inconsciente freudiano não é o caos, o mistério, o ilógico ou a parte louca de cada um de nós. Também não é aquilo que se encontra “embaixo" da consciência. É uma parte de um sistema de funcionamento da mente, tem sua parcela de participação em nossos comportamentos, falas e emoções. Daí, nossas escolhas na vida não serão somente determinadas pelo consciente ou pela simples vontade, mas também por este outro sistema que compõe a mente. Para Freud, o inconsciente funciona de uma forma própria e se expressa em uma linguagem diferente da racionalidade. Usa de expressões indiretas para se manifestar, tais como os esquecimentos, atos falhos, os sonhos e os sintomas. Dizer que se sabe o que se está fazendo ou escolhendo para a vida é algo extremamente relativo. O legítimo “dono” de seu inconsciente é aquele que fala, só ele sabe, sem saber que sabe. Em alguns momentos podemos nos perguntar: o que faço aqui? O que torna minha vida tão insuportável? O que posso fazer para encontrar uma solução para esse problema? São perguntas fundamentais, mas não são fáceis de serem respondidas sozinho. Em Psicanálise supomos que o analisando está se “curando” à medida que se pergunta sobre sua participação em seu sofrimento e se põe a falar na sua análise. A cura é pela fala. Freud diz que as pessoas podem achar estranho que meras palavras possam curar ou aliviar os sofrimentos da mente e do corpo, mas as palavras possuem uma certa “magia”. Ao falar na análise vamos pensando e construindo, através da linguagem, uma nova maneira de compreender os nossos sofrimentos, as nossas escolhas, a nossa história. A partir do referencial - “o ego não é amo em sua própria morada” - Freud dá outro lugar às palavras e vai além delas, buscando aquilo que é dito, mas, também, aquilo que é não dito. As palavras falam de algo que o analisando pretende falar e, também, daquilo que ele busca esconder. Assim, a escuta em Psicanálise não é qualquer escuta. O psicanalista se propõe a escutar o que “não ouve”, escutando o conflito, o sofrimento humano. Uma escuta que acompanha o analisando a se dar conta de sua própria singularidade e se implicar com ela, isto é, decidir o que fazer com isso. Elisabeth Roudinesco, psicanalista francesa, em Por que a Psicanálise? escreve: “... o método psicanalítico é um tratamento baseado na fala, um tratamento em que o fato de se verbalizar o sofrimento, de encontrar palavras para expressá-lo, permite, senão curá-lo, ao menos tomar consciência de sua origem e, portanto, assumi-lo.” Daisy Lino Psicanalista, membro efetivo do TRIEP daisy_lino@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai#triepjundiai #triep #daisylino #cursopsicanalise#freud #curapelafala #inconsciente

  • AVATAR 2 - Analogias possíveis sob o olhar da Psicanálise

    Em 2009 já fomos fisgados pelo filme AVATAR, um recorde de bilheterias. Esta semana tive o privilégio, confesso que tão esperado, de poder assistir ao filme AVATAR 2. Sem querer fazer apologia, porém encantada pela condição que a nova história traz, vou tentar organizar alguns pensamentos, fazendo alguns links sob o olhar da psicanálise. Dentre as belas cenas destacarei algumas que julgo relevantes para entendermos a dinâmica familiar da trama Avatar 2, como por exemplo, a função paterna. Segundo o psicanalista inglês D. W. Winnicott, em um de seus textos (Teoria do relacionamento paterno-infantil – 1960), um pai pode ocupar esse lugar perante a família e diante da sociedade (assim esperado), porém nem sempre é possível a função daquele que protege, provê, cuida. É de extrema importância, as funções maternas e paternas, um ambiente bom para a formação e desenvolvimento da psique humana e, consequentemente, da formação do caráter da criança. Esta função fica clara na cena em que o personagem principal, Jake Sully, diz: “Um pai protege. Esse é o seu propósito na vida!” Este pai, capaz de abdicar do seu próprio reinado para salvaguardar a família, indo de um extremo ao outro, deixando de ser Rei e submetendo-se a outro reinado, ensinando aos filhos e até mesmo a esposa que “tudo é possível para manterem-se vivos e unidos.” Tudo acontecendo na vida e na trama do filme porém, como é isto na psiquê desse pai herói? O que o faz, dar tudo de si, arriscando a própria vida, para salvaguardar a família? Será que não há aí um sofrimento? Um lugar idealizado? Talvez pela própria história pregressa deste pai? Fica aqui a pergunta: qual é o “lugar” do pai na família, perante a sociedade, e nas construções psíquicas? Nos “rituais de passagens”, onde a função paterna também se inscreve. Outras cenas do filme, não menos importantes, as quais podemos trazer para nosso cotidiano, que muitas vezes tornam-se traumáticas e fazem sofrimentos, como por exemplo a rivalidade entre irmãos, as diferenças físicas, mentais, gêneros, parentais, postas como brincadeiras de crianças, e até mesmo, como prova de sobrevivência (aprender a respirar debaixo d´água). Ter que sobreviver sozinho em meio ao oceano (momento do filme em que o filho precisou mostrar-se forte para poder pertencer ao grupo de adolescentes da outra tribo), onde o adolescente encontra com a Baleia rejeitada por ter se rebelado em uma matança e condenada ao isolamento e solidão. Quantos adolescentes, na vida real, não conseguem rebelar-se, por medo do abandono ou “desamparo”, por parte daqueles que são “provedores”? Assim como nas cenas de Avatar 2, vemos todos estes conflitos manifestados nas dinâmicas familiares, que muitas vezes trazem ou fazem sofrimento emocional, podendo a psicanálise, através da escuta, dar voz aos pais, crianças e adolescentes, de forma a entender que nem toda herança parental precisa ser aceita ou levada até as últimas consequências. Quando falamos de “lugar” para psicanálise, não se trata de um lugar físico, será sempre da subjetividade de cada um. O acolhimento, dentro da família, depois em outra tribo, as diferenças podendo ser respeitadas e superadas. Uma das melhores frases do filme é: “Eu vejo você” – saudação do povo nativo de Pandora, ao invés de dizer “eu te amo”. Ver o outro é reconhece-lo como semelhante, é ir além da superfície e mergulhar no desconhecido. Significa mais do que ver o outro fisicamente, uma questão de compreensão e reconhecimento – O que passamos a vida buscando em nossos pares e pais, fica bastante evidente no filme. Vale a pena a reflexão. Eunice Gabriel da Silva Psicanalista, membro colaborador do TRIEP eunice.gabriel@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #eunicegabriel #funçãopaterna #papeisnadianamicafamiliar #dinamicafamiliar #cinemaepsicanalise #conflitosnaadolescencia #ambientebom

  • Gaslighting e o medo do desamparo

    Gaslighting é um termo que designa relações abusivas nas quais a pessoa não consegue confiar nas suas próprias avaliações, sejam elas relativas aos seus pensamentos ou à própria percepção que tem da realidade, devido a uma constante manipulação por parte do seu parceiro ou parceira. Assim, diante de qualquer dúvida que a pessoa possa ter sobre as condutas do companheiro, é refutada por este dizendo a ela que está confusa, fazendo-a acreditar na palavra dele ao invés da própria percepção que tem da situação. A estratégia é passar o problema para o outro ao invés de assumir que há algo errado. Um exemplo pode se dar quando o(a) companheiro(a) trai o cônjuge com a qual se relaciona, mas inverte a situação; diz que é este quem tem ciúmes e não ele(ela) próprio(a) quem o está traindo. Outra forma de distorção ocorre quando o(a) parceiro(a) diz não ter olhado com malícia quando conversava com uma outra pessoa, por exemplo, na intenção de falsear os fatos de modo a própria parceira(o) negar a realidade que se apresenta. Tais modificações são feitas, justamente, para desqualificar a avaliação do parceiro ou da parceira. O intuito é causar dependência emocional para gerar um controle tanto da situação como do outro que passa a se sentir nas mãos do manipulador, já que depende da sua palavra ao invés de confiar em si mesmo. A pessoa passa a esperar a confirmação do que sente e pensa do outro, ficando cada vez mais insegura e vulnerável. Há uma paulatina subserviência ao outro. Tal devoção tem como contraponto a espera por um amor que prometa exclusividade: “somos só nós dois, não precisamos de mais ninguém”. No entanto, o que de fato ocorre é um cerceamento da vida social daquele que sofre com o gaslighting e o consequente isolamento gradual do convívio com os outros. A pessoa passa, cada vez mais, a não confiar em si mesma, já que qualquer dúvida é interpretada pelo parceiro(a) como confusão mental ou incapacidade de julgamento, como se a(o) parceira(o) estivesse ficando louca(o). Deste modo, o(a) manipulador(a) detém a palavra que passa orientá-la(lo), dizendo oferecer um lugar de cuidado e exclusividade, mesmo que custe a liberdade do(a) parceiro(a). O que se constata é que cada um está ocupando um lugar diferente nesta relação de suposta exclusividade: há um que domina e o outro que é dominado. Com o tempo, passa-se a falar menos o que se pensa por medo de perder esta suposta devoção daquele que está, na verdade, na posição de poder. A oferta de um lugar especial de cuidados e palavras gentis se confundem com a opressão exercida. Freud, em seu belo texto “Mal-estar na civilização”, fala sobre o sentimento de desamparo no qual as pessoas se deparam: “[...] ela [a pessoa] deve ter um motivo para submeter-se a essa influência estranha. Esse motivo é facilmente descoberto no desamparo e na dependência dela em relação a outras pessoas, e pode ser mais bem designado como medo da perda de amor. Se ela perde o amor de outra pessoa de quem é dependente, deixa também de ser protegida de uma série de perigos. Acima de tudo, fica exposta ao perigo de que essa pessoa mais forte mostre sua superioridade sob forma de punição. [...] (p. 147). O tipo de manipulação no gaslighting mexe com o desamparo, em que o parceiro oferece palavras que sancionam aquilo que a pessoa duvida de si mesma, levando a uma sensação de uma suposta proteção por esta orientação e direcionamento. A ideia de ser amado está intimamente ligada com a sensação de estar protegido. Este é um dos pontos que deve ser revisto para aquele que se encontra neste tipo de relação para que possa, gradualmente, recolocar-se de modo a não mais temer tanto o lugar onde encontra-se desprotegido. Fabiana S. Pellicciari psicanalista, membro efetivo do TRIEP #fabianaspellicciari #psicanalise #psicanalistasjundiai #triep #triepjundiai #psicanalisejundiai #gaslighting #realcoesabusivas #desamparo #freud #malestarnacivilizacao

  • "Tempo, tempo, tempo"

    2023, se oficializa daqui vinte e três dias. Comentários sobre a rapidez da passagem do ano anterior traz a ideia de que o tempo, traiçoeiramente, novamente nos pegou de surpresa. O tempo passa e deixa uma sensação que não deu tempo... Como será a nossa relação com o tempo? A pressa não é mais inimiga da perfeição e devagar não se vai mais ao longe. Não temos mais tempo! Se tem a impressão que ou o dia deveria ser mais extenso ou não soubemos nos organizar. Preocupa-nos coisas como: vai demorar em aprender isso? A leitura do livro é demorada? Demora a fazer esta comida? Fazer terapia é demorado? Tem alguma coisa estranha nessa aceleração toda. A vida não é mais um percurso, mas uma correria. O fenômeno característico da atualidade é a exagerada aceleração do cotidiano e a velocidade com a qual as alterações se processam. Nessa correria o urgente não deixa tempo para o importante, e temos daí um efeito colateral naquela que deveria ser a marca humana: a capacidade de reflexão e consciência. Essa capacidade, sob o efeito da correria, no esgotamento fica sem condição para persistir, combater, pensar e, assim, não evita o amortecimento dos sentidos e dos sonhos pessoais. Afinal, frente a verdadeiros ataques imperativos: tantas dietas, harmonizações faciais, muitas ordens da moda e do consumo com apelos insistentes da mídia; corpo e mente carecem cada dia mais, de horas de sono, de lazer e de sossego. Vive-se de forma desesperada, ansiosamente. Por exemplo, na lógica de “aproveite a vida” não importa se para intensificar isso se consuma substâncias ou bebidas alcoólicas. “Aproveite a vida” pode até ser uma mensagem supostamente positiva, mas não se dá tempo para conhecer o outro. Não se conversa (conversar?), o negócio é “ficar” e daí o tempo “bem gasto” se mede pelo número de “ficadas”. Freud em seu texto “Sobre a transitoriedade”, de 1914, fala do sentimento de inconformismo diante da constatação de que tudo está fadado à transitoriedade, a mortalidade, logo nossa própria existência está aí compreendida. A exigência de imortalidade, como produto do desejo, não pode reivindicar seu direito à realidade. No entanto, ela persiste no mundo mental como fruto da recusa do tempo. Frente ao fenômeno da implacabilidade do tempo, faz-se “negociatas” com o imponderável e imagina-se que se pode burlar a falibilidade do corpo. E além das diversas buscas de intervenções no corpo para “parar” o tempo, a passagem do tempo impregna-se e encarna-se na imagem do outro que no envelhecimento torna-se descartável e é “trocado por duas (ou dois) de vinte”. A problemática do tempo possui diversas faces e diversos graus de gravidade. Na neurose e em certos quadros de ansiedade o melhor é falarmos em uma “luta” contra o tempo. Mas o fato é que o fator tempo está no âmago da angústia humana em geral. É uma das suas agruras. Ocupar o tempo da vida é inventar. E inventar pode ser refazer, recriar... como poeticamente diz Caetano em sua canção “Oração ao tempo”: “E quando eu tiver saído para fora do teu círculo, Tempo, tempo, tempo, tempo Não serei nem terás sido Tempo, tempo, tempo, tempo Ainda assim acredito Ser possível reunirmo-nos Tempo, tempo, tempo, tempo Num outro nível de vínculo Tempo, tempo, tempo, tempo” Daisy Lino Psicanalista, membro efetivo do TRIEP daisy_lino@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #daisylino #cursopsicanalise #tempotempotempo #caetanoveloso #oraçãoaotempo #freud

  • O direito das crianças à chateação

    Uma criança obediente é sempre motivo de orgulho para os pais, mas não é o que muitas vezes ocorre com seus próprios filhos. Estes pais olham para outras crianças nos shoppings e nas ruas que se mostram comportadas quando são repreendidas, sem manifestar nenhum tipo de enfrentamento ou gritos de desobediência, e as compara com seus próprios filhos. Ainda mais quando costumam fazer a maior birra! Muito se diz a respeito de crianças que enfrentam os pais e que têm dificuldade com as regras. Parece que o oposto deste tipo de comportamento é o que seria o adequado, isto é, que as crianças passassem a respeitar os limites imediatamente. Porém, o excesso de submissão às regras e às leis também é um problema. Crianças com alto grau de obediência não indica, necessariamente, que estejam caminhando bem em seu desenvolvimento emocional. Afinal, quando elas nunca podem reclamar, protestar, chatear-se com as regras que lhes são impostas, como poderão encontrar um lugar onde possam manifestar-se verdadeiramente de acordo com o que estão sentindo nessas situações? Por essa razão, é importante que possamos pensar qual o nível de obediência que se espera dos filhos. Seria ao ponto de fazer com que eles nunca reclamassem? Ou será que seria permitido a eles fazer algum tipo de contestação, mesmo que acatassem as ordens? É fácil imaginar a dificuldade de certos adultos que não conseguem se posicionar em situações de decisão, por exemplo. Pessoas acostumadas a seguir as ordens dos outros, sem nunca falar exatamente o que pensam, acabam tendo dificuldade quando são chamados a opinar sobre algo que realmente tem importância em suas vidas. Isto ocorre porque precisam sair dos bastidores e ocupar um lugar central quando passam a falar por si mesmos. E como tal situação pode ser difícil! Com as crianças não é diferente. Obviamente que, ao serem cuidadas por adultos, têm uma série de decisões que não compete a elas. Porém, elas têm direito a manifestar suas opiniões acerca do que lhes dizem respeito. Assim, mesmo que obedeçam aos adultos e acatem suas ordens, é importante que possam se mostrar chateadas no caso de não poderem fazer o que gostariam. Desta forma, seria importante dar lugar para os vários sentimentos que as crianças sentem quando seus desejos não são atendidos, reservando um lugar para que possam se expressar, sem, contudo, causar mal à terceiros: não vale bater no amigo ou quebrar algo por simples birra. Trata-se da possibilidade de poderem se expressar e não de agir por represália. Um exemplo pode ser quando um filho não sai para um passeio que tanto gostaria ficando chateado e querendo ficar sozinho por um certo tempo, após o qual, volta para sua vida cotidiana sem prolongar em demasia neste seu estado de frustração. Assim, mostrar indignação, chateação ou certa irritação frente a uma ordem é sinal de que a criança se sente autorizada a se expressar, ao invés de apenas cumprir exatamente o que lhe foi pedido com extrema resignação. Porém, obviamente que este estado deve durar um certo período e servir para fins de elaboração de situações difíceis na vida de qualquer criança. Fabiana S. Pellicciari psicanalista, membro efetivo do TRIEP #fabianaspellicciari #psicanalise #psicanalistasjundiai #triep #triepjundiai #psicanalisejundiai #chateação #filhosepais #frustracao #limites

  • De que sofrem pais e filhos?

    Em que pode a Psicanálise contribuir diante do sofrimento da criança, adolescentes e pais? No final do século XIX e início do século XX, Freud com a Psicanálise abre um campo de investigação e introduz o conceito de inconsciente e assim, é possível um espaço de escuta para o sofrimento da criança e adolescente. A Psicanálise, então, traz um novo discurso sobre o ser humano, não como indivíduo (objeto da ciência), mas como marcado pelo inconsciente, por essa “outra cena” ao mesmo tempo inquietante e familiar, um ser humano passível de sonhar, amar, desejar, construir crenças, odiar, culpar-se, etc... Acompanhando muitos adolescentes, crianças e pais na clínica, escuto um sofrimento e uma angústia que se transformam num mal-estar na dinâmica familiar. Se faz necessário pensarmos que o verdadeiro amor é aquele que também nos limita. Limita perante as falhas, as faltas e, principalmente, as frustrações. Vivemos hoje numa sociedade onde nem adultos e nem crianças conseguem lidar com a frustração. Constantemente ouço na clínica: “- Meu filho terá ou tem tudo aquilo que não tive”! Aí já se instala o grande pilar da frustação. Primeiro, por uma falsa ideia de que “o meu ideal, é o ideal do outro”, logo os pais super investem em seus filhos, projetando nestes seus próprios desejos outrora não realizados, faltas experimentadas durante suas infâncias ou outras etapas da vida pregressa. Recebemos na clínica adolescentes super investidos, supostamente preparados para a vida adulta. Ouvimos dos pais, então: “- Demos os melhores colégios, apertamos orçamento, os melhores equipamentos, demos tudo o que podíamos e veja só, ele(a), quer jogar tudo fora”. O que se esquece é que essa criança/adolescente, super investido, é outro Ser, um outro como outro diferente. O que pode fazer a Psicanálise pelas crianças? A clínica psicanalítica abre um espaço para essa criança falar sobre esse sofrimento, através do brincar, desenhar, criar histórias, fantasiar através de outros personagens e da confiança junto ao analista. E para a família? É no discurso deles que iremos entender a dinâmica familiar. E para os pais é muito importante que possam falar sobre seus próprios fantasmas, ressignificados e representados por este filho. E no caso de adolescentes? Iremos utilizar técnicas diferentes como relatos, desenho, tocar algum instrumento de sua escolha e até mesmo através de jogos, séries. Ou seja, crianças, adolescentes e pais terão um lugar de fala e escuta. De que sofrem os pais? De seus próprios fantasmas (traumas), vivências da infância não elaboradas. Bem como, ideais (muitas vezes) frustrados que passam a ser projetados nos filhos de maneira inconsciente e que acabam por emergir através de angústias e sintomas. Sentimento de culpa por “investir e desejar” e, novamente, não se realizar. Por fim, a pergunta que se fazem os pais: “- Onde foi que errei”? Pergunta carregada de sofrimento e culpa. A resposta possível seria: não há erros ou acertos, apenas um investimento equivocado, num tempo e em um outro diferente que não é você! Dar-se aqui a importância da escuta analítica para que toda a dinâmica familiar possa, de alguma forma, se modificar, talvez não eliminando ou zerando as angústias, mas tornando essa dinâmica menos sofrida para todos, entendendo que crianças e adolescentes podem ter um lugar de fala e importância na família e na sociedade. Eunice Gabriel da Silva Psicanalista, membro colaborador do TRIEP eunice.gabriel@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #eunicegabriel #sofrimentopaisefilhos

  • De fascínio e horror, quais doses nos pertencem?

    “Dhamer: um canibal americano” (2022), série recentemente lançada pela Netflix, levou pouquíssimos dias para emplacar o primeiro lugar entre as mais assistidas. Seu conteúdo polêmico e dos mais comentados entre os críticos, elevou sua audiência e trouxe o assunto também para o consultório, principalmente através dos adolescentes, que, em seus relatos, mostram uma mistura de fascínio e pavor pelo personagem. Críticas e polêmicas à parte, me ocorreu pensar que não é novidade esta mistura a que a série agora remete. Seja em seriados ou na vida real, a representação do assassino, do serial killer, suscita, no mínimo, curiosidade. Ela presentifica o que há muito está recalcado em nosso inconsciente. Do famoso “Jack, o estripador”, passando por Norman Bates em “Psicose”, Hannibal Lecter, em “O silêncio dos inocentes”, pelo Maníaco do parque, Guilherme de Pádua (no caso Daniela Perez), o goleiro Bruno (no caso Elisa Samúdio), a deputada Flordelis (no caso do incesto e assassinato de seu filho adotivo e marido), até “Dahmer: o canibal americano”, muitas são as histórias fictícias entrelaçadas à realidade. As primeiras podem nos fascinar, as outras nos causam horror pela realidade crua que encarnam. Preferimos, na medida do possível, colocar nas telas ou o mais distante que isso, o caldo perverso no qual estes personagens todos parecem ter forjado suas histórias e particularidades. Colocamos a monstruosidade “do lado de lá”. No entanto, estes enredos atualizam, ou fazem retornar em forma de notícias ou ficção, aquilo de que, em nossa vida psíquica, precisamos, em outros tempos, abrir mão e recalcar. Para que pudéssemos nos constituir como seres sociais e em nome de um laço no qual fosse possível a vida em sociedade, precisamos nos afastar daquilo que um dia foi gerador de intenso prazer. O tabu do incesto e a proibição de matar foram centrais para sairmos de uma condição mítica de horda e caminharmos rumo ao estabelecimento do pacto civilizatório e desenvolvimento da cultura. Estes atos que ora foram condenados e tidos como moral e criminalmente prejudiciais ao sujeito e à sociedade, silenciam, mas não se calam de vez. O fato de termos dado este longo passo, não significa que aniquilamos para todo o sempre estes traços. Fazemos, constantemente, o esforço de nos mantermos comprometidos com esta aliança. Ela é a forma de nos preservarmos e de preservarmos o outro de características intensamente perversas e hostis. Quando vemos um assassino ou serial killer transpor estas barreiras, e muitas vezes sem seres pegos pelas autoridades ou ficando impunes pelas instituições que nos representam, nos remetemos à possibilidade das falhas deste sistema de defesa (psíquica e social) que ajudamos a construir. E, ao mesmo tempo em que nos indignamos com os crimes, nos fascinamos com a audácia do autor. Aos nossos olhos, eles podem parecer inteligentes, inacessíveis, pouco se importam com o outro e com a Lei. Seu egoísmo nos faz acreditar que não há desamparo, nem qualquer outra forma de vulnerabilidade. Nos parecem imbatíveis e poderosos. Além de não terem medo de nada, provocam medo. É sempre o outro que, se puder e tiver tempo, deve recuar. O assassino ou serial killer não dá um passo atrás. Sua estratégia é puro ato. Isso serve não apenas para os personagens, mas diz também de um modo de funcionamento que leva o público a uma espécie de identificação. É, talvez, a este traço, que se deve o sucesso de uma série, uma história real ou de uma mistura entre elas, na qual o personagem da trama é um assassino. Se nossa sociedade em sua forma de expressão atual, é marcada pela confusão entre sujeito-objeto, pela ilusão do consumo sem reservas proposto por um capitalismo-canibalístico e pelo mito da necessidade de alta performance, então estão presentes todos os ingredientes para o sucesso de “Dahmer: um canibal americano”. Devorar o outro, sem considerá-lo em sua humanidade e alteridade, fazendo disso o palco para a máxima performance, pode ser o que torna a série porta-voz de anseios, ilusões e horrores de toda uma sociedade. Ainda bem que, desta vez, apenas projetados na tela. Um sinal, mínimo, de que as defesas sociais e psíquicas ainda funcionam. Leila Veratti Psicanalista, membro efetivo do TRIEP leilacsantos@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #leilaveratti #o_diva_a_passeio #netflix #jeffreydahmer #dahmer #serialkillerepsicanalise #eticaepsicanalise #netflix #netflixbrasil

  • Você sabe o que Freud diz sobre os sentimentos das massas?

    Segundo site do TSE* temos no Brasil mais de 156 milhões de eleitoras e eleitores. Os grupos que se formam são grandes massas e algumas das características dos seus sentimentos foram pensados por Freud em “Psicologia das massas e análise do Eu”, publicado pela primeira vez em 1921. Segue um trecho onde podemos observar a relação de seu texto com os dias de hoje. Somos remetidos pela colocação, “imagens que evocam”, ao que costuma acontecer com frequência em muitas das fake news. Outras semelhanças encontradas no texto reforçam sua atualidade e pertinência, pois nos ajuda a entender esses fenômenos e tudo indica que não são apenas coincidências! Uma boa leitura! “A massa é extraordinariamente influenciável e crédula, é acrítica, o improvável não existe para ela. Pensa em imagens que evocam umas às outras associativamente, como no indivíduo em estado de livre devaneio, e que não têm sua coincidência com a realidade medida por uma instância razoável. Os sentimentos da massa são sempre muito simples e muito exaltados. Ela não conhece dúvida nem incerteza. Ela vai prontamente a extremos; a suspeita exteriorizada se transforma de imediato em certeza indiscutível, um germe de antipatia se torna um ódio selvagem. Quem quiser influir sobre ela, não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma fala. Como a massa não tem dúvidas quanto ao que é verdadeiro ou falso, e tem consciência da sua enorme força, ela é, ao mesmo tempo, intolerante e crente na autoridade. Ela respeita a força, e deixa-se influenciar apenas moderadamente pela bondade, que para ela é uma espécie de fraqueza. O que exige de seus heróis é fortaleza, até mesmo violência. Quer ser dominada e oprimida, quer temer os seus senhores. No fundo, inteiramente conservadora, tem profunda aversão a todos os progressos e inovações, e ilimitada reverência pela tradição.” * site do TSE https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Julho/brasil-tem-mais-de-156-milhoes-de-eleitoras-e-eleitores-aptos-a-votar-em-2022-601043 Gustavo Florêncio Fernandes Psicanalista, membro efetivo do TRIEP gusff@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #gustavoflorenciofernandes #cursopsicanalise#psicologiadasmassaseanálisedoeu #freud#eleicoes

  • Jovens e suicídio: sinal vermelho

    Temos ouvido falar, com frequência, sobre suicídios de adolescentes e jovens adultos. Anteriormente, a morte, nesta faixa etária, tinha sua maior causa em razão dos acidentes automobilísticos. Também temos tido notícias de depressões e automutilações, exemplos frequentes de como pode se apresentar o mal-estar neste mesmo grupo, na contemporaneidade. O que tem acontecido? Será que são consequências da pandemia? A adolescência é conhecida como uma fase de transição, onde uma ampliação dos contatos sociais se dá para além da família e da escola; cuja importância do grupo se faz mais presente. E quando as transgressões, as experimentações e rupturas acontecem, validadas ou não pelos seus pares e pais. É quando o adolescente se testa e experimenta como ele será em determinado contexto, com insígnias da cultura em que ele está inscrito. Para se afirmar, o adolescente pode se definir pelo que não é, e buscar como pode ser sua existência singular no mundo. Esse processo do sujeito se constituir implica o seu entorno, valores a que se identifica ou busca pertencimento. Já que o humano é um ser do laço social. Nesse sentido, ser um adolescente ou jovem adulto atualmente, parece ser uma prova de fogo. Excelência e alta performance: palavras do momento. Parecem ser muitos os “checklists” a se cumprir pra fazer parte da “tribo”: os corpos têm que ser corpos de fisiculturistas ou de modelos; é preciso ter os aparelhos eletrônicos de última geração, estarem antenados para as questões de gênero, conquistar seguidores ... além de serem bem-sucedidos financeiramente. Os adolescentes encontram-se submetidos a uma sobrecarga de informações e estímulos. Pressão muito além de escolher uma profissão e enfeitar seus corpos com roupas ou acessórios “da hora” como era a marca da adolescência em outro tempo da civilização. Tudo como manda o figurino de uma sociedade de consumo numa modernidade líquida, o que parece aumentar a insegurança e as preocupações quanto ao futuro, já esperadas nesta faixa etária. E se não se encaixam neste “molde”, se sentem fracassados, podem sentir que pra eles não há espaço para o acolhimento e para a participação efetiva na sociedade. Podem se tornar alvos fáceis de comparações e críticas pesadas, piadas, memes e cancelamentos, presencialmente ou nas redes (os conhecidos bullying e cyberbullying), podendo ocasionar baixa estima de si mesmos, angústia, compulsões, fobias, depressão, ideações e atos suicidas. É importante que os próprios adolescentes e adultos em sofrimento e quem convive com estes, suas famílias, escola, local de trabalho e amigos, fiquem atentos a alguns sinais de alerta e sintomas como: dificuldade de atenção e concentração; apatia ou agressividade; desesperança; insônia ou dormir demais; isolamento social; abuso de drogas lícitas e ilícitas; ferir-se intencionalmente... a intensidade e frequência destes sinais podem ser entendidos como um pedido de socorro e é possível incentiva-los a falar sobre esta dor, a respeito da qual parece terem a intenção de colocar um fim a partir de formas tão extremas. Mostrar interesse em escutar este sofrimento genuíno, sem criticar ou julgar e indicar a necessidade de buscar profissionais habilitados para iniciar um tratamento, é como se pode ajudar. Patrícia Merli Macieira Matalani Psicanalista, membro colaborador do TRIEP macieiramatalani@uol.com.br #psicanalistasjundiai #triep #psicanalise #psicanalisejundiai #adolescentes #triepjundiai #suicidio #setembroamarelo #familia #depressao #patriciamacieira #relacionamentopaisefilhos #tratamentopsicanalitico #jovensadultos

  • Setembro Amarelo

    Freud em "Reflexões para os tempos de guerra e morte" (1915), escrito quase vinte anos antes das reflexões que fez em uma carta resposta à pergunta dirigida a ele por Albert Einstein - “Por que a guerra?”, apontara sobre a nossa relação com a morte: “De fato, é impossível imaginar nossa própria morte e, sempre que tentamos fazê-lo, podemos perceber que ainda estamos presentes como espectadores. Por isso, a escola psicanalítica pôde aventurar-se a afirmar que no fundo ninguém crê em sua própria morte, ou, dizendo a mesma coisa de outra maneira, que no inconsciente cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade.” Essa descrição de Freud aponta para as características presentes em todos: não cremos na própria morte, mas vivenciamos angústias aniquiladoras. O assunto do suicídio é polêmico, tratado com cuidado, reservas e até como uma espécie de tabu, do mesmo modo como geralmente não abordamos a questão da morte, da velhice, enfim, as coisas que significam a finitude do ser. Existir traz consigo uma inevitável dor. Certa dor é constituinte da nossa subjetividade, aquela que diz respeito à nossa insuficiência. Tentamos, cotidianamente, várias maneiras de aplacar esta dor, por exemplo, através do frenético consumo de objetos e substâncias (roupas, carros, drogas, antidepressivos, etc.). Frente a essa dor, uma saída última e radical encontra sua forma através do suicídio. No ato suicida estão presentes características psíquicas, como as angústias primitivas, as fantasias simbióticas e a destrutividade, elementos cujas compreensões teóricas e manejos clínicos encontram-se entre os interesses dos psicanalistas. As causas de suicídio são várias e também variam conforme as diferentes culturas. Um suicídio motivado por um ideal – por exemplo, o religioso – é diferente daquele realizado pela ausência de qualquer ideal ou do praticado por vingança. As pessoas em torno (familiares, amigos, profissionais) da vítima do suicídio se indagam sobre o que poderiam ou não ter feito para evitar, buscam entender o porquê e sentem-se, muitas vezes, culpados. Para muitas pessoas, aquele que abrevia a própria vida é visto como um covarde, insano e egoísta. Enfrentar a morte “natural” de um próximo não é a mesma coisa que enfrentar a morte por um ato suicida, sem dúvida. A morte é por si só da ordem do indizível. Costumamos recalcar o fato da nossa morte, da nossa finitude, justamente para podermos viver. Não ficamos pensando sobre nossa morte o tempo todo, o que dificultaria o viver. As tentativas de suicídio são atos e condutas que de forma manifesta, ou não (podem ser manifestações inconscientes não percebidas claramente), colocam a vida em risco. Estas tentativas são por vezes claramente identificáveis ou podem se apresentar através de comportamentos de risco. Dirigir perigosamente, provocar situações de briga, atividades de risco, esportes perigosos sem o devido cuidado e treinamento, acidentes repetidos, situações em que a saúde é exposta, enfim, uma série de comportamentos que podem demostrar essa perspectiva. O suicídio, na verdade, pode ser definido quando as tentativas suicidas, consciente ou inconsciente, se realizam ou obtém “êxito”. Freud assinalou que “.... não se pode esquecer que o suicídio não é nada mais que uma saída, uma ação, um término de conflitos psíquicos". O ato suicida é a expressão de uma singularidade, de uma história de vida, circunstâncias socioculturais e fantasias sobre a morte. O que pode ser considerado a "causa" do ato, para supostamente se tentar explicar seu enigma e/ou apressadamente classifica-lo como fraqueza ou covardia, é no mínimo ingênuo. Seu desfecho é apenas e fatalmente o elo final manifesto de uma complexa rede de fatores, entre os quais muitos nunca serão identificados. Daisy Lino Psicanalista, membro efetivo do TRIEP daisy_lino@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #daisylino #cursopsicanalise #eticadapsicanalise #analisepessoaldoanalista #sofrimentopsiquico #setembroamarelo

  • O preço a ser pago pela imagem "maravilhosa" de si mesmo

    As mídias sociais podem provocar efeitos deletérios, tão conhecidos por todos nós, quando certas pessoas se defrontam com fotos de outros que precisam se mostrar em lugares e situações que confirmem a suposta vida perfeita que possuem. Corpos perfeitos, praias paradisíacas, casas luxuosas ou perto de uma natureza invejável, tudo se mostra no superlativo. Nada parece escapar a uma imagem que ilustre modos de vida sem nenhum tipo de problema, onde todos os prazeres são possíveis. Enfim, são imagens que vendem um jeito de viver de causar inveja aos reles mortais. Que lugar é esse, tão inacessível às pessoas comuns? Que ideal está sendo construído nessas imagens que traçam uma régua para medir a distância entre uma vida repleta de maravilhas e o mundo da vida banal? O que muita gente não vê é que, aqueles que procuram vender essas imagens supostamente perfeitas de si mesmos, também estão sendo capturados numa lógica na qual eles próprios são prisioneiros. Sentem precisar corresponder a tais imagens projetadas sobre si mesmos, como se não tivessem falhas. Porém, o que está sendo postado são imagens e não a vida com toda a sua pulsação e movimento, que obviamente mostra-se cheia de imprevistos, incoerências e incompletudes. As imagens têm uma característica peculiar: são fixas. E mais do que simplesmente se limitarem às fotos tiradas em uma câmera fotográfica, podem ser aquilo que queremos passar aos outros, como se tal identidade criada dissesse tudo sobre nós. Por essa razão, as imagens se limitam à pontualidade daquilo que expressam, podendo nos iludir de que somos aquilo que está diante de nós mesmos naquele exato instante, sem nenhuma possibilidade de mudança. O problema começa a se complicar quando não conseguimos mais sustentar tal imagem de nós mesmos. Afinal, como podemos ser tão “perfeitos” e “maravilhosos” o tempo todo? O preço a pagar pode ser bem alto, porque não podemos falhar nunca! Um antigo vídeo da banda americana Evanescence, “Evereybody’s fool”, ilustra bem esse tipo de conflito com a própria imagem, um tanto expresso neste trecho da música abaixo (com a tradução livre): Look here she comes now Bow down and stare in wonder Oh how we love you No flaws when you're pretending But now I know she Never was and never will be Olha, aqui vem ela agora. Curve-se e olhe maravilhado Ah, como nós te amamos Sem falhas quando está fingindo Mas agora eu sei que ela Nunca foi e nunca será. Link para o video: https://www.youtube.com/watch?v=jhC1pI76Rqo Essa dicotomia é vivida pela personagem da vocalista da banda, Amy Lee, uma mulher linda, que participa de diversos anúncios de publicidade, vendo-se diante de tais imagens que correspondem a um padrão que ela própria não se reconhece, escondendo um sofrimento pela qual passa sem nada se assemelhar com a pessoa dos anúncios de propaganda. Percebemos como tal padrão a ser atingido também pode ser de grande sofrimento para aqueles que são a sua maior expressão: as pessoas “maravilhosas” que nunca conseguem frustrar o alto padrão criado sobre si mesmo. Ou seja, é preciso retirar o peso de tais modelos rígidos e fazer cair essa imagem intocável: é preciso deixar-se falhar. Mas cuidado! Deixar-se falhar é possibilitar oscilar no movimento pulsante da vida que comporta acertos e erros, sem ter que cair na armadilha de ser um completo “imprestável”, o que indica a fixação em outra imagem de si mesmo, mais uma vez rígida e imutável. Fabiana Sampaio Pellicciari psicanalista membro efetivo do TRIEP fabiana.pellicciari@gmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai#psicanalisejundiai #triepjundiai #triep#fabianapellicciari #pessoasmaravilhosas #redesocial #evanescence #quebradaimagemperfeita #perfeicao #everybodysfool

  • O vazio do domingo

    “Para preencher um Vazio Inserir a Coisa que o causou - Tenta bloqueá-lo com outra – e mais vai se escancarar - Não se pode soldar um Abismo Com Ar.” (Emily Dickinson) O filme espanhol, do diretor Ramón Salazar (Drama, 2017, disponível na Netflix) nos apresenta Chiara (Bárbara Lennie) e Anabel (Susi Sánchez) como personagens centrais da trama (contém alguns spoilers). Nas cenas iniciais, Chiara está numa floresta de cores apagadas, frias. Agachada, olha para um buraco, um escuro. Num contraponto, Anabel se apresenta segura e decidida ao adentrar um salão impotente, mas ao caminhar, tropeça. Em princípio não sabemos da relação entre as duas mulheres. Mas logo nos é apresentado o fato de serem mãe e filha, embora desconhecidas uma à outra. Chiara tem um pedido inusitado a fazer à Anabel, sua mãe, que a deixou quando ela tinha cerca de cinco anos de idade. Esse reencontro mostra todo o desconcerto, estranhamento e as tentativas de aproximação com os quais elas tentarão lidar, para estabelecerem um mínimo vínculo. Nessa construção de uma relação cercada por diferentes afetos, vemos uma filha lidar com as marcas do abandono, com o excesso de ausência e vazio que foram talhados em sua história subjetiva a partir de sua primeira infância. E uma mãe movida pela necessidade de, talvez pela primeira vez, banhar sua filha numa linguagem de amor e compaixão. Chiara se apresenta a nós olhando para um buraco, como que remetida a um vazio, um “poço sem fundo”, uma ausência sem nome. Desde Freud, conhecemos que o excesso é uma das qualidades do que é traumático. Com outros autores psicanalistas, entre eles André Green, compreendemos que o excesso é também uma das categorias para pensarmos a formação do psiquismo. São os excessos que nos lançam à vivências de angústias inomináveis, irrepresentáveis, catastróficas, traumáticas. Green (1982) cita Pascal para ilustrar o modo como, ao sermos invadidos pelos excessos, podemos nos desorganizar psiquicamente e viver um sofrimento, por vezes, insuportável: “Nossos sentidos não percebem os extremos, demasiado barulho nos ensurdece; demasiada luz nos cega; o excesso de distância ou proximidade atrapalha a visão(...) O excesso de Verdade nos surpreende. As qualidades excessivas não nos são sensíveis, mas inimigas. Nós não as sentimos, as sofremos.” E quando em psicanálise falamos em excesso, nos referimos tanto ao excesso de presença quanto ao excesso de ausência. E os primeiros momentos nos quais experimentamos isso, são vividos com nossas primeiras figuras de cuidado, em geral (mas não sempre e não somente), com a mãe. No caso da personagem Chiara, o excesso faz sua marca pela via da ausência, da privação, de um vazio que lança o sujeito numa vivência de aniquilamento e esfacelamento de si. É como se, lançado a este vazio, o que fica em risco não é uma parte do sujeito ou de sua história, mas ele como um todo, sua integridade fica ameaçada, dando lugar apenas a um estado de vulnerabilidade e instabilidade física e psíquica. O excesso de vazio impõe rupturas e escassez de pensamentos, dificultando ou impedindo que o psiquismo possa trabalhar de modo a preservar no sujeito as ligações com a vida e as relações de vinculação com a percepção, os sentimentos e os pensamentos, integrando a si e à sua história as experiências vividas. Este excesso desorganiza o psiquismo e passa a comprometer o sujeito não em sua possibilidade de fala, mas nos processos somáticos e nas atuações que ocupam seu lugar. O sujeito sofre sua realidade, em lugar de poder dizer dela e de si. E em meio a isso, promove rupturas com seus vínculos, com seus investimentos amorosos de diferentes interesses e, em última instância, rompe com a vida. O drama de Chiara é, de alguma maneira, ilustrativo de muitos casos que têm se apresentado na clínica psicanalítica nos últimos tempos. As queixas destes “novos pacientes” dizem respeito a vivências de tédio, grande insatisfação e desinteresse pelo mundo ao seu redor, experiências de despersonalização e desrealização, intensa solidão, sensação subjetiva de inconsistência e vazio interno, bem como um desconhecimento de sua identidade e vivências de extrema vulnerabilidade e fragilidade. O que banha tudo isso é uma angústia intensa e desorganizadora, que traz ao sujeito a sensação de estar em constante queda livre, sem conseguir, de fato, alcançar o chão, um solo minimamente consistente, onde possa pisar e seguir. Estes pacientes requisitam do analista ainda mais manejo e sustentação (handling e holding – Winnicott), convocam a existência de um espaço de continência que os possibilite projetar suas angústias impensáveis e desorganizadoras (continente e conteúdo – Bion) para que seja possível, com o auxílio da função analítica e da capacidade de rêverie do analista na relação transferencial, que elementos traumáticos de sua história sejam apresentados, nomeados, pensados, sonhados e, por fim, elaborados e integrados ao eu. E que ao longo de todo esse trabalho, o sujeito possa retomar o estabelecimento de vínculos com o mundo externo, com seu mundo interno e sua vida de fantasia, ampliando a plasticidade de seus investimentos psíquicos e de laços com a vida. Isso, quando possível... O filme é lindo e denso! Apesar de transitar por entre uma certa melancolia, traz a beleza das possibilidades de reparação pela via da construção de vínculos afetuosos e amorosos. Leila Veratti Psicanalista, membro efetivo do TRIEP leilacsantos@hotmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triepjundiai #triep #ovaziododomingo #netflix #vazioepsicanalise #sofrimentopsiquico #clinicadovazio

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