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  • Édipo e a filha perdida

    Em uma das primeiras cenas do filme “A filha perdida” (Netflix, 2021) me chamou a atenção a fala em que o homem que recepciona a personagem principal em seu destino de férias, constatado seu atraso, pergunta a ela se havia trânsito saindo de Corinto. É de Corinto que Édipo parte para tentar escapar as profecias que o aterrorizam ao colocar em seu destino a marca do parricídio e do incesto, mas é justo ao que sua fuga o leva. Parte incerto para seu exílio, guiado apenas pelas estrelas, diz ele. Essa lembrança me leva a olhar o filme sob a ótica dessa mulher que tenta se desligar de sua rotina, como costumamos apostar ao sair de férias. Sempre nos esquecendo que é impossível fugirmos de nós mesmos. O que se inicia como uma praia tranquila, onde ela poderia desfrutar de um isolamento controlado de quem viaja só a uma cidade de veraneio, logo tem sua tranquilidade invadida pela chegada de uma família volumosa e barulhenta. O primeiro contato que as mulheres dessa família fazem é recebido por ela com a distância de quem diz não ter a obrigação de ceder à obviedade de se submeter aos caprichos delas pelo fato de estar só. A família que ela tenta aparentemente ignorar acaba sendo foco de sua atenção, fornecendo elementos que fazem com que vá recordando sua história e mais especificamente da relação com uma de suas filhas. A tensão criada no convívio forçado na praia inicia toda uma série de questionamentos vividos em seu casamento. As questões sobre a maternidade se acentuam na trama representadas pela boneca de uma das crianças dessa grande família. Vendo uma discussão intensa dos pais a menina se descontrola e acaba por se perder e sua boneca some. A personagem principal assistindo a cena vai, em suas lembranças, revelando sua luta com a maternidade, o casamento e os desejos que não cabem no ideal de uma mãe sempre disponível, ao qual se sentia convocada. Quando nos damos conta ela havia pegado a boneca da menina e levado consigo. Seu destino de férias é invadido por seus conflitos pessoais que impõem uma dinâmica inesperada que acabam por marcar esses dias com aquilo que ela tinha de mais íntimo. O convívio é recebido entre a proximidade e a agressividade que surgem quando ela tenta reestabelecer e resguardar sua intimidade. A relação experimentada por essa mãe assolada pelo remorso a leva a imprimir marcas de suas questões e de seus sofrimentos na criança que perdeu a boneca e em sua família. Assim como Édipo que busca fugir do enigma de sua história, mas acaba se deparando com ele, vemos no filme essa mãe que é convidada a reviver em suas férias cada passo de sua história. A filha perdida é reencontrada sempre nessa dupla inscrição que nasce entre o possível e o ideal explicitando sua relação com as escolhas e a culpa que vai atualizando seus conflitos em cada passo vivido nessa ilha. Ela cuida da boneca roubada, a limpa, compra roupinhas novas, repetindo seu sofrimento entre aquela que cuida, mas também faz sofrer uma filha. A ideia de Freud é justamente a de que frente aos nossos conflitos internos, satisfações não autorizadas a serem vividas conscientemente acabem por buscar outras formas de satisfação substitutivas. E que nossa batalha é sempre tentar um melhor desfecho compatível com a vida, frente aos nossos conflitos. Gustavo Florêncio Fernandes Psicanalista, membro efetivo do TRIEP gusff@hotmail.com #psicanalise #psicanalisejundiai #triepjundiai #psicanalistasjundiai #triep #gustavoflorenciofernandes #edipoeafilhaperdida #maternidade #freud

  • A loucura nossa de cada dia

    Um menino de 10 anos pegou o revólver do pai; escondeu em sua mochila, negou que o pegou quando perguntado pelo pai; atirou na professora e em seguida se matou. Muito se falou e se falará sobre os detalhes da vida desse menino, sobre seu pai e seu descuido, sobre sua família. É fácil profetizar depois do ocorrido. Duro é pensar que não compreendemos, não conseguimos explicar esse tipo de acontecimento. Ficamos perplexos e sem rumo com a constatação de que ignoramos as vicissitudes da condição humana. Para não nos desesperarmos sempre acreditamos que existem somente dois tipos de pessoas: as normais e as loucas. Mas, reparando bem, qual de nós não tem suas esquisitices? A loucura não é um fenômeno oposto ao da chamada racionalidade ou normalidade. É algo que convivemos em nós, paradoxalmente é difícil de falar dela na primeira pessoa, mais fácil é falar da loucura do outro. A perturbação do funcionamento mental de uma pessoa, que chamamos de loucura é um dos mais antigos fenômenos patológicos que continua com incompreensões. A loucura é entendida como um distúrbio mental, uma ruptura do sujeito com a realidade. Por vezes ruidosa e permanente no doente, mais discreta e momentânea na pessoa “normal”. Pois, diferentemente do que se crê popularmente, todos - sem exceção - podemos ser acometidos de uma loucura passageira e limitada a um único aspecto da nossa vida. A loucura não se expressa unicamente por uma conduta bizarra ou absurda. Ela pode se manifestar de vários modos: por um comportamento excessivo, por um pequeno delírio ocasional. Conhecemos pessoas que rotineiramente se comportam de modo coerente, mas que, em determinados assuntos delicados de suas vidas (dinheiro, sexo, filhos, divórcio, etc.) reagem desproporcionalmente e, achando que estão com a suposta verdade, ficam ensandecidas. O que é então estar louco? É ter a certeza cega da verdade do que se pensa e do que se faz. No momento da loucura, não se duvida dos pensamentos e, sem refletir, tem-se a certeza do que deve fazer. Uma ideia fixa e falsa que se repete, toma conta da pessoa e a impele a agir. A mente cegamente louca submete a realidade à ideia fixa e falsa, ao invés de submeter a ideia à realidade do entorno. Então, podemos dizer que uma pessoa, mesmo equilibrada, pode ocultar no âmago de sua alma uma fantasia cheia de fel prestes a explodir num acesso de loucura. A possibilidade de sermos todos loucos em algum canto escuro de nosso funcionamento mental nos é bastante desconfortável; retira-nos as ilusões de que tudo é explicável por uma causalidade de fácil domínio. Tudo parecia tão bem: um bom menino, bom filho, um menino como os outros, normal... Acontece justo aí uma tragédia, o imponderável. “Cada um de nós é vários, é muitos, é uma prolixidade de si mesmos. Por isso aquele que despreza o ambiente não é o mesmo que dele se alegra ou padece. Na vasta colônia do nosso ser há gente de muitas espécies, pensando e sentindo diferentemente.” (Fernando Pessoa, Livro do desassossego, anotações de 30/12/1932.) Daisy Maria Ramos Lino Psicanalista, membro efetivo do TRIEP. daisy_lino@hotmail.com #psicanalise #psicanalisejundiai #triepjundiai #psicanalistasjundiai #triep #daisylino #loucura #loucos #freud #fernandopessoa #normalanormal

  • Quando o filho diz não para os pais

    Um bebê ocupa um lugar especial para seus pais, lugar este esperado desde antes de seu nascimento, sabendo muito bem como conquistá-los: faz as mais variadas gracinhas, responde aos seus chamados, correspondendo com toda uma série de sinais e gestos ao que seus pais esperam dele, na maior parte do tempo. Mas essa situação sofre mudanças no decorrer do desenvolvimento de uma criança, já que ela precisará não mais corresponder tanto ao que seus pais esperam dela, passando, também, a lhes negar alguns pedidos tanto nas suas falas como em movimentos corporais que expressem alguma negativa ou contrariedade. Isto significa que a criança precisará assumir cada vez mais um lugar de diferenciação em relação a eles. Mas será que os pais aguentam ouvir esses nãos por parte de seus filhos? É muito importante pensar como os pais recebem estes nãos: se eles conseguem sustentar essas negativas por parte de seus filhos ou se as tomam para si, como numa espécie de rejeição por parte de seus filhos para com eles mesmos. Os pais podem pensar que, se seus filhos lhes negam um pedido, estariam lhes rejeitando. Nesse sentido é preciso pensar se há certos abalos narcísicos por parte dos pais quando se sentem pessoalmente atingidos por certas falas ou gestos de seus filhos que comportem algum componente de hostilidade, mesmo quando seus filhos são ainda muito pequenos. É importante poder reconhecer as dificuldades nesta relação com seus filhos quando elas se fazem presentes para melhor abordá-las com amigos, com parentes ou com algum profissional, se for o caso. O mais importante é não guardar apenas para si quando se aparece algum problema a esse respeito, afinal, diante de componentes hostis presentes nas relações entre pais e filhos, nem sempre pode ser simples que mães e pais possam lidar tais enfrentamentos. Nenhum pai ou mãe está imune de sentir suas próprias questões serem atingidas quando cuidam de seus filhos, afinal, ninguém é perfeito! Não é fácil participar dos cuidados de uma criança! Pais e mães sabem o quanto são exigidos em suas tarefas com seus filhos, mas para tanto, é preciso que eles próprios tenham um lugar de escuta e acolhimento quanto ao que estão passando, quando se faz necessário compartilharem seu sofrimento. Dessa forma torna-se mais tranquilo poderem suportar as negativas de seus filhos na medida do possível. Fabiana Sampaio Pellicciari psicanalista membro do TRIEP fabiana.pellicciari@gmail.com #psicanalise #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triep #fabianapellicciari #filhosdizemnao #desenvolvimento #acolhimentodepais

  • O tempero do tempo

    Hora aqui e outra ali, ouvimos o tic-tac do relógio à espreita, como se nos perguntasse, com certa insistência: como você tem aproveitado o seu tempo? Tic-tac! Está mesmo tendo sua máxima produtividade? Tic-tac! Quanto tempo você vai gastar com determinada atividade/tarefa? Tic-tac! Não acha que poderia ser mais rápido? Tic-tac! Ainda há tanto por fazer: não perca tempo! Tic-tac! Nessa esfera de relação com o tempo, somos sempre engolidos por ele. Confundimos as demandas do relógio com aquilo que seria da ordem do dia e somamos a isso uma certa urgência social e coletiva de que precisamos entregar o melhor no menor tempo possível. Estamos quase sempre às voltas com as demandas de “faça!”, “seja produtivo!”, “não deixe pra depois o que você pode fazer agora!”, “produza enquanto eles dormem!”, e por ai vai... A pressa parece se antecipar à nossa existência. Tudo é feito como se precisássemos, a todo tempo, ganhar tempo! Engolidos e acelerados por um tipo de realidade à qual damos aval, perdemos de vista a ideia de que, para que haja elaboração de experiências de vida, para que possamos nos apropriar de nossa existência e daquilo que é pertinente a ela, precisamos de tempo. E quando falamos nele, há sempre algo muito relativo que se impõe. Isso porque a relação que cada um de nós estabelece com o tempo não é definida apenas por sua contagem sistemática de passagem das horas ou de qualquer outro tipo de medida de tempo que uma cultura ou sociedade estabeleça. Para além de uma forma de medir e controlar o tempo, cada um de nós tem para com ele uma experiência subjetiva, que pode se apresentar com afetos carregados de nostalgia e esperança, ou por afetos carregados de angústia, tédio, melancolia, medo... Vivenciamos o tempo através de nossas histórias, memórias, lembranças... Enquanto a primeira experiência de tempo diz respeito ao que os gregos chamavam de Chronos, a segunda é conhecida como Kairós. Enquanto uma é a forma de quantificar, a outra remete a qualificar nossas experiências no tempo. A forma de cada um vivenciar o tempo dá indícios do modo como lidamos com a finitude, com a transitoriedade, e também com nossas potências e impossibilidades. Ao mesmo tempo em que é característico do tempo ser transitório, passageiro, fluído, um tempo que passa, é preciso que acrescentemos a ele uma outra característica para que o tornemos especificamente nosso. Para que isso aconteça, para que possamos reter o tempo, precisamos acrescentar a ele nossas lembranças, memórias, histórias, afetos, personagens... São os acontecimentos de nossa vida no decorrer do tempo e de sua passagem que fazem e nos trazem as marcas do que passou, do que foi vivido e do modo como estes eventos foram experienciados por cada um de nós. Cada tempo em nós é um tempo subjetivo! E é este tempo-subjetivo que interessa à psicanálise. O tempo que escapa à linearidade passado-presente-futuro, mas os coloca entrelaçados e permite ao sujeito, em seus relatos de lembranças, memórias e histórias, entretecer o presente com o passado, produzindo algo novo, que embora não mude o que já foi vivido e acontecido, possibilita que o sujeito se questione sobre si, sobre seus posicionamentos na vida e suas escolhas, podendo apostar em novos devires. Apesar de nossa finitude e transitoriedade, apontada de forma persistente por Chronos, podemos investir num vir-a-ser. Se não podemos parar o relógio do tempo, podemos tecer as nossas histórias que caberão nele. Infinitas, enquanto estivermos no círculo do tempo, tecendo algo de que possamos nos apropriar para poder seguir, construindo-nos outros possíveis caminhos. Com o retorno de nossas atividades, nós do TRIEP desejamos que cada um tenha em si o desejo de continuar seguindo, construindo para si novas possibilidades e, quem sabe, outros caminhos. “O bom do caminho é haver volta. Para a ida sem vinda basta o tempo.” (Mia Couto) Leila Veratti Psicanalista, membro do Triep leilacsantos@hotmail.com #leilaveratti #psicanalise #tempo #tempoesubjetividade #tempoepsicanalise #chronosekairos #o_diva_a_passeio #psicanalistasjundiai #psicanalise #psicanalisejundiai #triep

  • Listas de fim de ano e os sonhos

    Em 1899, Freud tinha terminado de escrever “A Interpretação dos Sonhos”, livro este que ele considerava uma de suas principais obras. Por questões estratégicas editoriais, seu lançamento é adiado para 1900. Um de seus anseios era que a obra fosse recebida com o mesmo impacto que teve a “Origem das espécies”, em 1859, de Charles Darwin. O sonho, em seu aspecto enigmático, surreal, com imagens surpreendentes, muitas vezes foram tomados como mensagem de outro mundo, podendo ser considerada premonitória e suas características sempre causaram, e ainda causam, grande curiosidade. Um dos aspetos fundamentais da teoria freudiana sobre os sonhos é que eles são um tipo de pensamento com características próprias, sendo a principal delas tratar-se de uma escrita por imagens, que expressam um pensamento. Para ser possível produzir um significado a partir dessas imagens, o próprio sonhador teria que investigá-las, associando pensamentos que o levassem a se apropriar do significado de seu próprio sonho. É preciso investigá-lo com a curiosidade de quem pesquisa, como e por quê ele se formou e se apresentou de determinada maneira. A técnica freudiana para interpretar os sonhos parte desse enigma onírico que com as associações do sonhador irá substituindo as imagens por sílabas e/ou palavras, revelando um sentido oculto. ­­­­­­­­­­­­­­­­­­ Como exemplo, trago um pequeno fragmento de minha análise: meu sonho continha vários elementos e acontecimentos, desses que parecem longos ao acordarmos. Entre os elementos, um cartão SD usado em máquinas fotográficas. Ao relatar o sonho em análise, pronunciar em voz alta “cartão SD” permitiu-me escutar cartão “excedê”, de exceder. As associações levam por caminhos que não eram imediatos ao recordar o sonho, não se apresentavam “às claras” as ideias de cartão de crédito, dívidas, momentos da história financeira familiar, etc. Foi a partir desse cartão (de memória?) que se produziu um significado singular que jamais poderia estar em um manual prévio, sendo imprescindíveis as associações do sonhador. O que se tinha até a descoberta freudiana eram interpretações que partiam de manuais prontos com significados pré-estabelecidos ou intérpretes que a partir do relato do sonho, o relacionavam à uma história que buscaria um sentido que previa o futuro, instruções de conduta e tomada de decisões. Algo dessa experiência talvez nos sirva para o momento em que as festas de fim de ano e as muitas listas que surgem sobre mudanças futuras. Por vezes repetindo promessas não cumpridas, itens a serem conquistados para o ano que irá se iniciar. A partir desses elementos listados, a lista de ano novo de cada um, podemos buscar o que dizem sobre nós, associando ideias, como fazemos com os elementos dos sonhos. Ao pensarmos sobre nossa história os itens isolados passam a exprimir melhor o que significam para nós. É possível que com isso eles se transformem, alguns esquecidos voltem ao seu valor e outros percam sua importância. Em quase 700 páginas de “A interpretação dos sonhos”, vemos Freud elaborando sua pesquisa e construindo um modelo de aparelho psíquico e apresentação formal do inconsciente que pudesse explicar não mais de forma mística, metafisica o que acontece quando sonhamos. A primeira edição de A interpretação dos sonhos não teve o mesmo impacto que a obra de Darwin, mas toda construção da ciência da psicanálise e a escuta clínica continuam em intenso diálogo com esse texto fundamental para qualquer um que queira estudar a psicanálise ou dialogar com ela. Gustavo Florêncio Fernandes Psicanalista, membro do TRIEP gusff@hotmail.com #triep #psicanalisejundiai #psicanalistajundiai #interpretacaodossonhos #freud #sonhos #listadefimdeano #formacaoempsicanalise #cursosdepssicanalise #gruposdeestudosempsicanalise #gustavoflorenciofernandes

  • Como escolher um psicanalista para chamar de seu

    A busca e escolha por um psicanalista para iniciar uma análise pode trazer algumas dúvidas e hesitações. De fato, é algo que requer cuidado afinal será um profissional que irá acompanhar um processo analítico por um bom tempo. A psicanalista Silvia Bleichmar em seu livro Do motivo de consulta à razão de análise, adverte: “Não há, talvez, dano maior à vida humana (exceto a morte) que o seu desperdício. Por isso, os longos anos de análise malsucedida, pelos quais atravessam muitos seres humanos, não podem ser catalogados, frivolamente, apenas como uma “perda de tempo e de dinheiro”, se considerarmos que o tempo é, precisamente, aquilo que marca as possibilidades de realização da vida no contexto da finitude da existência.” (p.15) Em vista, então, do tempo das possibilidades de realizações da vida, ante a finitude, o cuidado na escolha do psicanalista para empreender uma análise é importante. A indicação de um conhecido de confiança que conheça um psicanalista, seja porque fez análise ou sabe de alguém que se analisou com ele, pode ser um caminho. Pesquisar sobre o profissional é necessário porque alguns, sem o compromisso ético com o tripé da formação (estudos, análise pessoal e supervisão clínica), se autodenominam psicanalistas de forma ilegítima. Será, principalmente, no contato com o profissional que se dará a possibilidade de colocar atenção em detalhes que podem ajudar na escolha. Ao realizar a primeira entrevista com um psicanalista é importante perceber como se sente na presença dele e no ambiente oferecido: se “vai com a cara” e se está se sentindo minimamente confiante ou confortável para falar. Se não estiver nessas condições isso não quer dizer que o profissional não é bom, só quer dizer que a busca continua. As entrevistas iniciais têm a função, pelo lado do candidato à análise, de que ele possa se observar e, assim, verificar o grau da sensação de confiabilidade que lhe desperta o contato com o psicanalista. Do lado do psicanalista, as entrevistas iniciais têm a função de compreender a busca e o sofrimento psíquico apresentado pela pessoa e, também, verificar se quer/pode trabalhar ou não com esse que entrevista. Como se pode ver, essas entrevistas são importantes para que ambos os lados verifiquem o quanto podem empreender a jornada de uma análise juntos ou não. A ética da psicanálise exige que o tratamento psicanalítico possibilite o surgimento de um sujeito “de dentro para fora” e jamais o contrário. Ou seja, o tratamento não visa a normatização e adequação social. O tratamento psicanalítico visa o trabalho subjetivo de construir/reconstruir a singularidade daquele que se analisa. Implicado com a ética da psicanálise, um psicanalista não vai nunca decidir o destino daquele que se coloca aos seus cuidados, não vai se colocar como “exemplo de vida” (contando as soluções que deu aos seus problemas, por exemplo), não vai recomendar essa ou aquela religião para melhorar a “espiritualidade” de quem quer que seja. Freud em “Linhas de progresso na terapia psicanalítica” (1919) diz: “Isso porque consegui ajudar pessoas com as quais nada tinha em comum – nem raça, nem educação, nem posição social, nem perspectiva de vida em geral – sem afetar sua individualidade.” (p.207) E vale salientar que, determinados quesitos não necessariamente vão poder conduzir a uma boa escolha ou vão garantir um bom percurso do processo analítico, como por exemplo, querer um psicanalista com certa idade, com consultório moderno ou não, homem ou mulher, etc. Se permitir vivenciar a experiência do encontro com um psicanalista, uma vez que nos vinculamos ao outro por identificações inconscientes, valerá mais do que preencher um checklist. “Viver é um rasgar-se e remendar-se” (Guimarães Rosa) Daisy Maria Ramos Lino Psicanalista, membro do TRIEP. daisy_lino@hotmail.com #psicanalista #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triep #terapia #análise #ehoradecurar-se #freud #tripedaformacao #eticapsicanalitica #daisylino

  • A agressividade em crianças pequenas

    Por que a agressividade das crianças pequenas assusta tanto os pais? Muito dessa agressividade é expressa na disputa entre crianças, quando rivalizam a posse de algum objeto, por exemplo. Alguns pais podem ficar com receio que tal embate possa causar algum dano emocional em seu filho. Porém, a agressividade faz parte do desenvolvimento humano. É de suma importância que haja interação entre crianças da mesma idade (ou de idade próxima) em que, necessariamente, acontecerão embates entre elas, mesmo que causem algum desconforto aos pais. Muitos adultos acreditam (ou querem acreditar) que entre crianças deve apenas reinar a paz! Nada mais improvável, já que é nada proveitoso haver um ambiente no qual as crianças não possam expressar suas desavenças com outros da mesma idade, mesmo que em muitos momentos eles se manifestem de forma mais acalorada. O importante é deixar que as crianças aprendam com tais situações, que possam dizer “não” a uma outra criança, que não precisam ser sempre cordiais e simpáticas. Obviamente que é preciso haver uma mediação destes conflitos pelos adultos em alguns momentos pontuais, deixando para que as crianças possam também se acertar entre si para que possam assimilar os efeitos destes encontros. Mas tais mediações precisam ser feitas, primordialmente, por meio de palavras, pois elas vão ordenando o que se passa entre as crianças, vão estabelecendo os limites por onde tais desavenças se estabelecerão. As crianças pequenas precisam construir um conhecimento sobre si mesmas para poderem se diferenciar dos outros, já que esta distinção não está presente desde o início da vida. Podemos constatar este fenômeno quando uma criança bate na outra e a mesma criança que bateu é quem diz “ai”, demonstrando que está se construindo esta delimitação entre o eu e o outro, ou seja, entre aquilo que é próprio da criança e o que é de uma outra pessoa. A noção de um si mesmo, de uma referência interna a partir da qual podemos dizer “eu quero” “eu sou” ou “é meu”, precisa passar por um processo que faz parte do desenvolvimento psíquico. Ocorre concomitantemente ao estabelecimento do que é próprio ao outro, que ocorre quando, por exemplo, uma criança consegue nomear os objetos que são dos colegas e não são dela ou quando consegue nomear um amigo. Estes momentos são permeados por alguns embates, por algumas disputas de objetos, pelo estabelecimento de brincadeiras onde são postas coisas suas e dos outros; em última instância, por todo uma série de situações nas quais está se delimitando espaços que são próprios, pelos quais a criança irá se apropriar. Com o tempo, ela não precisará mais se sentir tão ameaçada pelos colegas, mas isso levará um tempo e dependerá de cada situação em particular. De qualquer forma, é preciso que a criança queira se ligar a uma outra criança; do contrário, quando está quieta demais, “muito bem comportada”, evitando qualquer embate, é preciso avaliar o quanto está, na verdade, com dificuldade em estabelecer vínculo com outras crianças, cuja relevância para o desenvolvimento emocional é de suma importância também para o estabelecimento de uma imagem corporal que possa se unificar e, desta forma, referenciar uma identidade própria: “esse sou eu, com esse corpo”. Afinal, o primeiro espaço a ser delimitado diz respeito ao próprio corpo. Portanto, para que a criança possa ter um sentimento no qual ela possa se referenciar e se diferenciar dos outros, ela vai precisar se relacionar com uma outra criança da mesma idade, ou de uma idade próxima da dela, mesmo que durante este processo ocorram alguns embates, o que é natural e estruturante para o psiquismo. O que ocorre são experimentações repetidas nas quais o encontro com o corpo de uma outra criança vai dando contornos ao próprio corpo da criança, em que certo grau de agressividade, que estará presente nestes encontros, vai possibilitando entender qual é o limite entre estes dois corpos. Por isso que é importante que ambas as crianças possam dizer “não!” quando o coleguinha passar dos limites; possam dizer: “isto é meu, não é seu”, e assim por diante. Caso as crianças ainda não tenham a capacidade de verbalização, é preciso que os adultos vão nomeando estes espaços entre as crianças e seus limites. Por isso não é bom forçar amizade entre as crianças quando o que se está sendo trabalhado é justamente os espaços que precisam ser delimitados. A amizade virá, também em decorrência desse processo, quando a criança não se sentirá mais ameaçada com a interação de outra criança e poderá, assim, estabelecer com ela brincadeiras compartilhadas. Fabiana Sampaio Pellicciari psicanalista membro do TRIEP fabiana.pellicciari@gmail.com #psicanalista #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triep #fabianapellicciari #desenvolvimentopsiquico #agressividade #criancaspequenas #primeirainfancia #lacan #freud #brincarcompartilhado #pais #maes

  • Padecer no paraíso

    Cerca de um mês atrás, publiquei aqui no site um artigo sobre maternidade e alguns aspectos sobre suas idealizações e “imperfeições”. Após receber alguns comentários nas minhas redes particulares, achei que poderia ser importante retomar o tema, desta vez para dizer um pouco mais especificamente da função materna, aspecto fundante e constitutivo do psiquismo, bem como dos entraves que podem se apresentar após o nascimento de um bebê, dificultando ou impedindo que uma mãe consiga se colocar no exercício desta sua função (cabe antes mencionar que, embora boa parte das vezes, a função materna seja empreendida pela própria mãe, ela pode ser exercida por qualquer outra pessoa que toma para si os cuidados básicos com o bebê, que seja capaz de investir nele emocionalmente e que possa estabelecer com ele um vínculo afetivo). Numa de suas conferências para a Sociedade Britânica (1952), o psicanalista inglês Donald Winnicott chamou a atenção de seus ouvintes ao dizer que “não existe isso que chamam bebê!”. Após instantes de alvoroço, começou a explicitar que, devido ao desamparo constitutivo a todo humano, o bebê não resiste se não for investido e amado por um outro humano, capaz de cuidar e investir amorosamente nele. E para que isso aconteça, é importante que se coloque em jogo o que ele chama de função materna. A esta função ele atribui alguns estágios referentes aos modos de cuidado que a mãe desenvolve com seu bebê. Entre eles, estão a preocupação materna primária, com a presença da capacidade de holding e handling e a apresentação, pela mãe, de objetos do mundo externo. A cada período de vida do bebê, estes estágios se colocam como sendo mais necessários ou com a possibilidade de ficarem em “segundo plano”. O primeiro destes estágios (e neste artigo vou me deter a qualificar somente este) diz respeito à preocupação materna primária. Ele começa a se apresentar ao final da gestação e nos primeiros dias de vida do bebê, e diz respeito à uma regressão psíquica da mãe, que a possibilita identificar-se com seu bebê, dirigindo a ele sua atenção, seus investimentos afetivos, podendo proporcionar a ele cuidados de alimentação, higiene e sono, observar seu ritmo e colocá-lo como prioridade, sentindo-se em sintonia com ele e sendo capaz de compreendê-lo e de satisfazer suas necessidades. É um período necessário de reconhecimento mútuo entre a mãe e o bebê. Para Winnicott, é preciso que a mãe entre neste estado, mas também é necessário que consiga desvencilhar-se dele, para que um processo de diferenciação entre ela e o bebê possa se instalar. No entanto, durante este trabalho psíquico inicial que a mãe faz com seu bebê, há outros trabalhos psíquicos acontecendo em paralelo. Durante a gestação e logo após o nascimento do bebê, a "mãe recém-nascida" passa por todo um processo de transformação e elaboração psíquica que dizem respeito às transformações de seus lugares psíquicos (da filha, que ela era até então, em mãe), de sua imagem corporal e da relação entre a sua maternidade e sua sexualidade. Dependendo do modo como estes processos são realizados psiquicamente, eles podem desencadear quadros clínicos, que se articulam desde o chamado baby blues até a psicose pós-parto. O "baby blues" (numa referência à melodia nostálgica do blues) é o mais comum, menos grave e menos intenso, apresentado por cerca de 80% das mulheres. Ele se apresenta por alterações de humor que oscilam entre “momentos de alegria seguidos de tristeza. É marcado por certa melancolia e pela sensação de incapacidade ou medo de não saber ou não conseguir cuidar do bebê.” (Vera Iaconelli, psicanalista). Entre os sintomas, apresentam-se também uma certa sensação de fragilidade, insônia e exaustão, decorrentes do processo inicial de adaptação da mãe à nova rotina com seu bebê. A depressão pós-parto tem se apresentado frequente em cerca de 15% dos quadros clínicos. Quando o baby blues se estende, em lugar de se dissolver logo após as primeiras semanas após o parto, intensifica-se uma sensação de tristeza mais acentuada seguida da incapacidade da mãe em manter os cuidados com seu bebê; experiências nas quais a mãe se percebe invadida por sentimento de culpa; situações mais frequentes de oscilação de humor; dificuldades para dormir, descansar, cuidar de si e do bebê, e dificuldade em lidar com esta nova configuração. A psicose pós-parto tem uma menor incidência. Cerca de 0,2% dos quadros clínicos remetem a estas manifestações que têm como características a depressão instalada por um período um pouco mais prolongado, somando-se a isso delírios e pensamentos da mãe de que pode ferir seu bebê ou a si mesma, não reconhecendo a si como “a mãe”, nem reconhecendo o bebê como “seu filho”, podendo caminhar para um distanciamento afetivo ainda maior que representa, para o bebê, a perda do amor materno. Em cada uma destas manifestações, está em jogo a saúde psíquica da mãe e do bebê. A gravidade dos quadros, que se diversificam desde um desinvestimento temporário no bebê, até uma brusca e longa retirada do interesse materno nele, variam muito e afetam ambos os envolvidos nesta relação inicial. Do lado da mãe, é possível que muitas vezes ela consiga cuidar de seu bebê, mas de modo automatizado, algumas vezes privilegiando os cuidados essenciais de alimentação e vestimenta. Mas sem conseguir banhar seu filho em interesse vívido, cuidado amoroso, segurança e sustentação. Pode até estar de corpo presente, mas seus ideais, fantasias e desejos, passam longe da relação dela com seu bebê. Suas vivências psíquicas dolorosas a impedem de investir nesse vínculo. Mergulhada em uma espécie de luto, por algum episódio que não necessariamente envolve o bebê, a mãe não consegue desejá-lo, nem ligar-se a ele. Do lado do bebê, esse distanciamento é vivido como catastrófico, traumático e de intensa angústia, deixando-lhe marcas psíquicas que ecoarão ao longo de sua vida. As mudanças decorrentes da transformação da mulher em mãe requerem um laborioso processo psíquico. E muitas vezes a mãe precisa também se sentir cuidada e acolhida em seu sofrimento, para que possa reconhecer-se como uma mãe suficientemente boa, capaz de maternar, vinculando-se a seu bebê. Dar lugar a isso, pode ser o que viabiliza o início do enlace de uma história a dois, constituída sim por seus entraves e paradoxos “comuns”, mas com percalços possíveis de receberem contorno e “configurações suficientemente boas”, diminuindo, para ambos, o mergulho em angústias impensáveis. Leila Veratti Psicanalista, membro do Triep leilacsantos@hotmail.com #leilaveratti #psicanalise #psicanalisejundiai #maesuficientementeboa #triep #maternidadepossivel #funcaomaterna #winnicott #depressaoposparto #babyblues #psicoseposparto #o_diva_a_passeio #psicanalistasjundiai

  • A arte, a loucura e a psicanálise.

    Na 34° Bienal de São Paulo, uma obra sonora me chama a atenção em especial. Escuto um grito indefinido e aflito pelos corredores do pavilhão de Niemeyer. Vou me aproximando e me deparo com um emaranhado de fios vermelhos por cima de uma caixa de papelão. Escuto nesse grito “free mom” e comento com minha amiga, que ouve “wisdom”. A obra sonora FRYDM! (2011) de Luisa Cunha me levou a pensar sobre a escuta do psicanalista. A arte contemporânea tem a intenção de interagir com o público de modo a provocar a reflexão, e é incontornável a expressão de nossa subjetividade nessa “leitura” da obra. Outra instalação sonora, nessa mesma bienal, apresenta um poste inclinado com quatro alto-falantes em forma de cornetas. Instalados em um poste de cimento emitem mensagens com frases claras, diferentemente da experiência anterior. Somos tomados pela curiosidade e bom humor ao ouvirmos frases, que articulam um conteúdo de cunho intelectual, serem misturadas a uma estética sonora em que a entonação, timbre e equalização da voz nos alto-falantes, remete ao convite animado às compras no carro do ovo, da pamonha etc. Uma alucinação auditiva em uma paranóia tem características similares à experiência criada pela obra FRYDM! Os fragmentos sonoros, sussurros, a voz por trás da porta, que não podemos definir, tomam forma de palavras claras ao encontrarem os pensamentos dos quais o paranóico quer se ver livre. São escutadas como vozes que vem de fora, de um outro que grita aquilo que não pode suportar ser pensado pelo próprio sujeito. Na experiência neurótica, algo similar se passa, porém duvidamos do escutado. Os pensamentos que se desencadeiam mobilizam culpas, preocupações etc. As dúvidas na fantasia neurótica são distintas das certezas que experimentam os psicóticos. A fala de um neurótico em sua análise chega como mensagens cifradas que podem se aproximar da segunda experiência descrita. As marcas daquele que fala de sua história, têm seu estilo misturado aos códigos compartilhados e socialmente vividos. Por vezes nos levam a expressar algo triste com um sorriso no rosto, embargar a voz em um momento inesperado, mudanças de entonação misteriosas. Todos estes elementos são apreendidos na escuta e fazem parte de uma análise. Uma espécie de mensagem dupla que aponta para algo desconhecido que ao final, tal qual uma obra de arte, é a expressão singular de um arranjo que interpela o próprio falante e que por ele deve ser construída como leitura, uma leitura de si. Os apontamentos do psicanalista servem para auxiliar a desvelar o caráter estranho da construção que se tornou corriqueira e passa despercebida por aquele que fala. Marcel Duchamp interpelou os olhares quando expôs em uma galeria um mictório de porcelana assinado com o pseudônimo, R. Mutt, intitulada “Fonte” (1917). Fez com que todos repensassem e se perguntassem: o que afinal é arte? Tirado do seu local habitual, o urinol, causa estranheza àqueles que esperavam encontrar algo com que estariam acostumados como representação da ideia de obra de arte. Algo similar se passa ou espera-se que se passe em uma análise. Que os elementos trazidos de uma espécie de outro lugar se façam presentes através dos atos falhos, dos chistes, dos sonhos, dos esquecimentos, das mudanças de entonação. O diálogo da arte contemporânea com a psicanálise não ensina que o psicanalista seja um artista inspirado a criar enredos sobre os mistérios que cada vida carrega, mas que ele é aquele que pode ser atravessado pela experiência de que algo está sendo dito para além da construção do enredo trazido pela fala do paciente. Cabe ao psicanalista auxiliar essa travessia da ilusão, em que aquele que fala acredita conhecer todas as suas motivações de forma racional e clara. O contato com a dimensão da nossa loucura não nos faz loucos, mas nos deixa um pouco mais avisados sobre alguns mistérios da nossa existência. Gustavo Florêncio Fernandes Psicanalista, membro do TRIEP gusff@hotmail.com #triep #psicanalisejundiai #psicanalistajundia #arte #loucura #bienalsaopaulo #marcelduchamp #gustavoflorenciofernandes

  • Adolescência, escolha profissional e o fantasma do sucesso garantido

    A escolha da profissão emerge em um momento no qual o jovem está submerso em um oceano de águas turbulentas. A viagem em direção à conquista da almejada condição adulta não é feita em meio a calmarias. Adolescer significa trilhar um caminho em busca de uma identidade autônoma, em meio a crises caracterizadas por diversas perdas e vivências de lutos. Período repleto de descobertas, de contato com o novo. Contato que assusta sendo geralmente acompanhado de: medos, dúvidas e anseios. Quando se escolhe uma profissão, se vislumbra, de forma mais concreta, a possibilidade da conquista de independência e individuação. Neste sentido, se vive um conflito entre o desejo de vencer na vida e o medo de perder um espaço já conquistado na infância, que lhe atribui identidade. O desejo de ingressar no mundo adulto é um desejo coerente que traz na base o desejo de progredir. Sabe-se que, em última instância, este desejo significa separação psíquica, uma condição necessária para o adolescente em sua busca de autonomia. A escolha de uma profissão pode ser entendida como o modo que o sujeito escolhe para se inserir no mundo e, através do trabalho escolhido, modificá-lo. Porém, em uma sociedade capitalista os sujeitos são movidos pela fantasia da completude e, nesse sentido, os pais desejam para si mesmos e de forma consequente para seus filhos o “sucesso” e a “felicidade”. Na contemporaneidade, o sucesso desempenha no imaginário social o papel de nada mais nada menos que promotor de identidade pessoal. Com certeza, considerando o tempo que vivemos - marcado pela ênfase ao sucesso e a perfeição - a escolha profissional é um momento vivenciado, tanto pelo jovem quanto pelos pais, com muita angústia por ser encarado como se fosse um ato definitivo determinante por si só de um “vencedor” ou um “perdedor”. Toda escolha provoca necessariamente uma renúncia; ao escolher abandona-se outra opção e isto pode provocar algum sofrimento, ainda mais quando se vive em um tempo em que para garantir nossa identidade, para sermos alguém, temos que ter sucesso. A escolha de uma profissão não é um ato definitivo. Essa escolha não é prova de sucesso ou de fracasso algum; como também, as notas conseguidas na escola não dizem sobre isso. Tirar dez é a “certificação” de uma pessoa com um futuro brilhante? Perfeito? Não. Então, essa escolha envolve tantas coisas que ter dúvidas, não saber qual escolher é algo muito natural. O mais importante é entender que ser jovem é ser, antes de tudo, alguém que começa a construir uma história e essa construção pode ter reviravoltas, surpresas e reavaliações. Porque, senão, não seria construção e sim algo já pronto... E quem já nasce pronto? Como não se nasce pronto, não se nasce sabendo, tem-se que criar, inovar, refazer e modificar. Deve-se considerar que há um tempo necessário para buscar condições e estratégias com as quais se possam descobrir as aptidões, interesses e características de personalidade que se possui. Quer dizer, estar aberto, disposto para inventar sua própria vida. Daisy Maria Ramos Lino Psicanalista, membro do TRIEP. daisy_lino@hotmail.com #psicanalise #psicanalisejundiai #psicanalistasjundiai #triep #freud #sucessogarantido #inconsciente #escolhaprofissional #freud #daisylino

  • É preciso proteger as crianças do sofrimento?

    Há muitos pais que dizem não suportar ver seus filhos sofrendo dizendo que tal sentimento poderia causar algum tipo de trauma em suas crianças. Diante dessas situações, colocam-se em uma atitude de superproteção para tentar evitar possíveis embates que seus filhos possam vir a ter com o mundo, com um consequente prejuízo que entendem poder haver para o desenvolvimento emocional dos pequenos. Acreditam que seus filhos não conseguem lidar com tamanho desprazer que certas situações difíceis lhes causam. Será mesmo que não conseguem? Caminhamos no mundo a partir de certas referências que nos fazem reconhecer o nosso entorno para sabermos por onde melhor nos situarmos. O sofrimento decorre, em boa parte, de momentos de certa suspensão destes pontos que nos orientam e que nos são conhecidos. Podemos perceber como muitas vezes evitamos o inesperado, preferindo a certeza do próximo passo ao risco de uma situação nova que se apresenta diante de nós. O sofrimento é algo que precisa ser compartilhado com uma outra pessoa para que possa encontrar uma expressão que faça sentido para aquele que se vê acometido por algum acontecimento doloroso. Precisamos dos outros para que possamos lançar nossas perguntas mais fundamentais diante de certos fatos que retiram de nós as nossas certezas prévias: situações de morte de um ente querido, perda de algo ou alguém que nos é especial ou mesmo qualquer situação que nos coloque diante do desconhecido e que precisam ser simbolizadas. A melhor saída não é evitá-las, já que a vida comporta um tanto de desprazer e dor. E as crianças têm a capacidade de lidar com sentimentos dolorosos e difíceis desde muito cedo, diferentemente do que seus pais possam acreditar, muitas vezes. Obviamente que tais sofrimentos precisam ser ponderados, validados e nomeados por seus cuidadores, mas não evitados. Tristeza, dor, frustração e toda uma série de sentimentos que precisam ter um lugar de expressão junto ao adulto responsável pela criança para que ela entenda que pode sentir-se acolhida em situações de dificuldade, sem que a resposta ao seu sofrimento seja aplacada de imediato. As crianças aprendem quando se veem diante de obstáculos, mostrando o quanto não devemos facilitar de modo a darmos aos pequenos tudo em suas mãos; se assim agimos, eles poderão crescer com a sensação de incapacidade e fraqueza diante de situações difíceis da vida. É preciso que as crianças se movimentem e encontrem saídas que lhes sejam próprias e dentro do seu tempo, sem que os pais façam tudo por elas. Elas sentirão desconforto nesse processo? Elas precisarão lidar com certas doses de sofrimento? Sim, para que possam confiar na própria capacidade de lidar com seus problemas futuros. Fabiana Sampaio Pellicciari psicanalista membro do TRIEP fabiana.pellicciari@gmail.com #psicanalista #psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai #triep #fabianapellicciari #superprotecao #sofrimentoinfantil #limites #lacan #freud

  • Sobre a maternidade: uma tecitura possível

    “O amor materno é apenas um sentimento humano. E como todo sentimento, é incerto, frágil e imperfeito. Contrariamente aos preconceitos, ele talvez não esteja profundamente inscrito na natureza feminina.” (E. Badinter) Com afirmações como esta, há pouco mais de uma década, a filósofa e historiadora francesa Elisabeth Badinter, provocou ruído em algumas crenças com a publicação de seu livro “Um amor conquistado – o mito do amor materno”. Nele, ela traça um percurso a respeito do imaginário coletivo que considera o amor materno como algo instintivo e natural; questiona sua fundamentação ao trazer aspectos relativos às construções sociais, modificadas e/ou revalidadas ao longo do tempo. E ainda aponta as ressonâncias que estas construções apresentam em nossos dias, fazendo com que, ainda hoje, haja desconforto quando este mito é minimamente relativizado. Engrossando o caldo que questiona esse mito e ganhando cada vez mais espaços nas redes sociais, cresce a quantidade de perfis que abordam a temática de uma “mãe não ideal”. Quando esta sai de cena, surge seu contraponto quase que exato, o da “mãe imperfeita”, sugerindo que oscilamos entre um polo e outro, sem muitas vezes conseguir circular pelo que poderíamos dizer de uma “maternidade possível”, da “mãe que se consegue ser”. E entre um perfil e outro, entre uma rolagem de dedos e outra, as mães “reais e possíveis” estão cada vez mais abarrotadas de culpa, de vergonha, exaustas, deprimidas, insones... quase não podendo confessar a si mesmas o quanto esta função lhes é desgastante, muitas vezes frustrante e, algumas vezes, nem de longe beira o ideal que um dia sonharam. Se uma mãe não existe desde sempre e a maternidade é uma construção e, como toda construção, é um processo, um vir a ser, como temos participado (coletivamente) dessa construção em nosso tempo? Se em nossa cultura, a maternidade ainda é vista e apresentada de modo bastante idealizado, com o retrato de mães sempre muito felizes, extremamente intuitivas, poderosas, seguras, assertivas, que lidam muito bem com suas funções de mãe-mulher-esposa-executiva-esportista-blogueira-instagrammers, de algum modo contribuímos para que neste imaginário não haja lugar para a dúvida, o cansaço, o sobressalto, o pedido de ajuda. Como se estes “reveses” não coubessem em uma maternidade plena e significassem a anuência de um certo fracasso em ser mãe. Ainda é muito comum que questões relativas à maternidade, quando iluminadas em seus aspectos mais espinhosos, sejam silenciadas, pouco faladas, pouco divulgadas, seguidas de olhares esgueirados e até com certo ar de reprovação. São questões vividas por toda mãe, mas quando mencionadas, continuam a causar espanto. Como se não estivéssemos habituados a acreditar que nem só de amores e flores e potência vive uma mãe. Para se tornar mãe, uma mulher atravessa um longo percurso, passa por um processo de transformação e elaboração psíquica que diz respeito a, no mínimo, três aspectos: a transformação da filha (que ela era até então) em mãe, a transformação da sua imagem corporal e a relação entre a maternidade e a sexualidade. São momentos que requerem uma reorganização psíquica e que cada mulher vivenciará de uma forma diferente, mas não sem sofrimentos. Dependendo do modo como estes processos são realizados psiquicamente, eles podem desencadear quadros clínicos que, embora pouco conhecidos e divulgados, são mais frequentes e comuns do que pensamos e variam em intensidade, tempo e gravidade. Se antes ouvíamos falar dos quadros conhecidos como “baby blues”, hoje tem sido frequente falar em bornout materno... Dar lugar e legitimidade ao sofrimento da mãe, além de uma escuta que permita resgatar os elementos importantes de sua história de vida e a aproximar-se dos sentidos de sua maternidade, propiciam que esta possa ser exercida a seu modo, com todas as suas capacidades e limitações. Por não caber no campo dos ideais, a maternidade não tem receitas, cada mãe se faz a si própria no encontro único com aquele filho em específico. Para cada filho, há uma mãe possível, uma maternidade viável e a possibilidade (ou não) de que a “mãe que se consegue ser”, seja uma mãe suficientemente boa, envolvida em sua função e banhada por seu desejo-de-filho. *imagens de livros infantis da escritora e ilustradora Thais Vanderheyden. Leila Veratti Psicanalista, membro do Triep leilacsantos@hotmail.com #psicanalista#psicanalistasjundiai #psicanalisejundiai#triep #maternidade #mãesefilhos #maternidadepossivel #badinter #o_diva_a_passeio #leilaveratti

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